Wednesday, May 16, 2012

Desafios para o tratamento da acondroplasia: do desenvolvimento de drogas a sua administração, parte 1

Ao conversar com pais e outras pessoas sobre pesquisa de medicamentos, muitas vezes me perguntam por que não vemos novos tratamentos para muitas doenças raras, tendo em conta que a tecnologia está tão avançada agora, com células-tronco e tudo o mais. Como acondroplasia é uma dessas muitas condições, eu pensei que valeria falar sobre o desenvolvimento de drogas.

O FGFR3 é um bom alvo para tratamento

A acondroplasia não é uma condição genética complexa. Pelo contrário, é causada por uma mutação simples já identificada em uma proteína que é produzida por um único tipo de célula, o condrócito. Isso torna o receptor do fator de crescimento de fibroblastos do tipo 3 (FGFR3) um alvo muito interessante. Então, por que ainda não há terapia disponível para a acondroplasia?

Nos próximos dois artigos, vamos ver quais são os desafios para o desenvolvimento de uma nova droga. No primeiro, vamos falar um pouco sobre projetos de pesquisa e as etapas de desenvolvimento de uma potencial medicação. No segundo, vamos falar sobre a administração da droga no local de destino, especialmente da nova geração de drogas que, em algum dia no futuro próximo, poderá ser utilizada na acondroplasia do mesmo modo como já está começando a ser aplicada em outras condições.

O desenvolvimento de medicamentos não é fácil
 
Os pesquisadores têm trabalhado em várias iniciativas para encontrar terapias para doenças que eram incuráveis ​​no passado, tais quais condições clínicas como a acondroplasia. Isso está se tornando possível porque eles têm sido bem sucedidos na identificação:
 
  • Dos mecanismos moleculares que levam à condição, começando por aprender sobre o erro de fabricação (sim, podemos dizer que na acondroplasia a troca de aminoácidos na proteína FGFR3 ocorre por um erro de montagem na estrutura do gene FGFR3);
  • Do papel natural da proteína alterada e como ela exerce suas funções;
  • Das conseqüências moleculares dessas ações no organismo.

Hoje, as drogas não são mais concebidas apenas para combater um sintoma como a febre. Atualmente, os desenvolvedores da centenária aspirina teriam que mostrar exatamente como a droga funciona na febre, algo inalcançável 70, 80 anos atrás. Atualmente, nós precisamos entender onde, em uma dada enzima, um composto experimental irá causar o efeito desejado. É por isso que aprender sobre o FGFR3 e como é sua estrutura (veja aqui) pode permitir aos cientistas examinar quais partes da molécula são as mais adequadas para serem abordadas em busca de uma droga efetiva.

Como você pode lembrar, o FGFR3 é uma enzima com vários pontos que carregam cargas elétricas positivas e negativas. Em uma comparação grosseira, pode-se dizer que uma enzima é como um imã complexo, com diferentes cargas elétricas distribuídas por toda a molécula, com cada ponto com propriedades particulares, feitas para uma finalidade específica. Estes pontos eletricamente carregados das enzimas são feitos para atrair outras moléculas específicas - seus alvos - e a não responder a outros, assim como um imã, que atrai um pedaço de ferro ou outro ímã com carga oposta, mas que não funcionará com alumínio ou repelirá um outro ímã com a mesma carga. Desenvolvedores de drogas precisam encontrar o local correto do alvo onde um composto potencial se ligará para produzir um efeito. Em outras palavras, as drogas são desenvolvidas para alcançar um objetivo específico do alvo ao qual elas se ligam, para causar o efeito desejado.

Há uma droga em potencial. Agora, como fazê-la encontrar o caminho para a farmácia?

Quando uma nova terapia potencial para uma doença está em desenvolvimento, surgem muitas questões sobre a forma como o medicamento vai ser administrado a um paciente para o tratamento de tal condição. Pense nisso: será que vai ser uma droga oral ou uma droga intravenosa? Quantas vezes ela deve ser administrada por dia? Será que vai ser dada antes ou depois da refeição? Durante a manhã ou à noite? Engolida com água ou leite? Ela pode ser administrada ao mesmo tempo com outras drogas? Existe algum risco de pará-la de repente? A lista de questões é longa, muito além destes exemplos. Muitas considerações devem ser levadas em conta para responder a estas e outras perguntas.

A natureza do composto experimental é de extrema importância. Em alguns dos artigos anteriores, vimos que as cargas elétricas influenciam a forma como uma proteína reage com as outras dentro de nosso corpo. Novamente aqui, as cargas elétricas distribuídas na estrutura do medicamento experimental irão determinar se ele vai precisar ser dado como uma injeção intravenosa ou se poderia ser preparado como um comprimido.

No caso de um medicamento oral, o investigador terá de encontrar onde, no aparelho digestório, o medicamento será absorvido. O ácido gástrico afetará sua estabilidade? Será que esta droga precisa de uma proteção para atravessar o estômago? Algumas drogas pode ser administradas em cápsulas, enquanto outras exigirão um comprimido revestido para alcançar a parte adequada do intestino onde serão absorvidas.

É um longo caminho

E depois? A droga vai entrar na corrente sanguínea, onde outros desafios devem ser resolvidos. Será que a droga entra nos tecidos-alvo facilmente ou vai se manter circulando por mais tempo? No sangue, existem algumas enzimas neutralizantes, como faxineiros, prontas para perseguir e destruir moléculas estranhas. Aqui, imagine o caso do análogo de CNP chamado de BMN-111 (um análogo é um composto semelhante a uma molécula existente), que é a primeira potencial droga para o tratamento da acondroplasia, que está sendo testado num ensaio clínico de fase 1. É um peptídeo pequeno, uma molécula feita de uma cadeia de aminoácidos. Este é o tipo de molécula para a qual existem várias enzimas caçadoras circulantes no sangue (elas são chamadas de peptidases). Quando uma destas enzimas atinge um peptídeo, adeus peptídeo.

Se o composto experimental é um anticorpo, não vai ser administrado por via oral, uma vez que os compostos derivados de proteínas normalmente não sobrevivem ao ácido gástrico. Assim, ele terá de ser injetado no paciente. O que vai acontecer a ele após a injeção? Sendo um tipo de proteína, anticorpos podem, tal como qualquer proteína estranha, causar reações por parte do organismo. Nosso sistema imunológico é feito para identificar moléculas estranhas para montar uma defesa eficaz contra um germe invasor. Então, temos de perguntar, como é que o organismo reagirá ao anticorpo? Este é um dos maiores desafios para o desenvolvimento de novas terapias baseadas em anticorpos.

Pesquisadores de drogas também precisam estudar se o composto vai causar efeitos em outros alvos além daquele que é o objetivo, um fenômeno chamado 'off target effect’ (efeito fora do alvo, em tradução livre). Um dos principais obstáculos enfrentados pelo desenvolvimento de novas drogas como as chamadas inibidores da tirosina quinase (TKI), é que muitas vezes elas afetam outras proteínas além da que foram projetadas para inibir (revisto aqui).

Como eles respondem a todas essas perguntas?

O desenvolvimento pré-clínico

Antes de qualquer experimento em seres humanos, uma droga em potencial deve seguir um processo muito rigoroso, determinado por agências reguladoras de saúde em todo o planeta. Leis e regulamentos são feitos para fornecer a devida proteção à sociedade, garantindo que todos os esforços foram feitos para evitar que um medicamento inadequado entre no mercado e chegue à farmácia. Para saber mais sobre o desenvolvimento de uma droga você pode visitar o website
da Food and DrugAdministration (FDA) dedicado a este tema. Você encontrará uma vasta fonte de informação (em inglês).

Em resumo, antes de estudar como um medicamento vai funcionar no corpo humano, os pesquisadores devem testá-lo adequadamente em uma abordagem multi-passo. Isto pode incluir:
  • Criar simulações de computador sobre as interações esperadas entre o composto e o seu alvo;
  • Testar o fármaco em culturas de células. Esta é a parte in vitro da pesquisa. A expressão in vitro descreve testes feitos em tubos de ensaio ou placas (in vitro, latim para no vidro);
  •  Testar a droga em fragmentos de órgãos e tecidos vivos fora do corpo (ex vivo);
  •   Testar a droga em um modelo animal apropriado, a parte in vivo da pesquisa. Hoje em dia, para um grande número de condições clínicas humanas, onde a causa é conhecida, é possível criar modelos animais semelhantes, dos quais os modelos de ratos são os mais adequados por várias razões (não discutidas aqui, porque não está no âmbito do artigo). Os ensaios são realizados para permitir que os investigadores aprendam sobre o caminho que a droga tem no corpo, os seus efeitos esperados e inesperados e toxicidade;
  •   Testar a droga em animais maiores, um deles necessariamente um primata, para confirmar a eficácia e segurança.

O desenvolvimento clínico

     Só depois de testes pré-clínicos mostrarem que a potencial droga é segura e eficiente no (s) modelo (s) testado (s), as agências reguladoras autorizarão os primeiros testes em seres humanos. Isto é o que é chamado de parte clínica do desenvolvimento de drogas, a qual é dividida em quatro fases:

Fase 1

Na maioria dos casos testes são realizados em um pequeno grupo de voluntários saudáveis. Aqui, os pesquisadores querem ver como a droga será absorvida, metabolizada e eliminada, as chamadas análises farmacocinética e farmacodinâmica. Eles vão também prestar atenção a eventuais efeitos tóxicos inesperados. Para doenças como o câncer os testes geralmente são realizados em pacientes reais. A Fase 1 geralmente dura cerca de 1 a 3 meses, dependendo da droga.
 

Fase 2

Os testes da fase 2 são realizados em indivíduos afetados pela condição que está sendo estudada. Dependendo da prevalência da doença, os ensaios nesta fase podem necessitar de algumas dezenas até pouco mais de cem pacientes. Aqui, os pesquisadores estão procurando a dose certa da droga. Eles também procuram mais informações de farmacocinética, mas a parte mais importante dos testes nesta fase é sobre a eficácia da droga em atingir os resultados para o qual foi desenhada. E também, a segurança em curto prazo. Nesta fase, os testes geralmente duram até seis meses, dependendo da doença em estudo.

Fase 3

Uma vez que a melhor dose do novo medicamento potencial é encontrada e não há dúvidas quanto a sua eficácia e segurança a curto prazo, chega a hora de testá-lo em um grupo maior de pacientes. Dependendo do tipo da doença a ser testado, os ensaios nesta fase podem levar um ano ou mais para terminar. Por exemplo, para uma doença aguda como um infarto do miocárdio, se a droga experimental destina-se a reduzir os danos ou prevenir uma recorrência precoce, um teste nesta fase irá durar cerca de um mês para cada paciente, de acordo com os resultados que os investigadores pretendem medir. Para condições crônicas como diabetes, pode levar alguns anos e milhares de pacientes para estudar os efeitos da droga em um prazo mais longo. Em conformidade com a legislação vigente, qualquer nova droga potencial precisará ser testada nessas condições antes de ganhar a aprovação do registro junto as autoridades regulatórias e a seguir, o mercado. Um dos principais objetivos dos testes de fase 3 é procurar efeitos adversos adicionais inesperados e incomuns da droga.

Se a droga se mostrar segura e eficiente para a indicação clínica para a qual foi testada no (s) estudo(s) de fase 3, então as autoridades concederão um registro para ela e o desenvolvedor terá o direito de vendê-la como um novo medicamento. Este novo medicamento terá exclusividade (cópias não são permitidas) no mercado durante um determinado espaço de tempo (os direitos da patente).

No entanto, o desenvolvimento do novo medicamento não vai parar aqui. É muito comum que uma droga estudada para uma doença específica seja potencialmente útil para outras condições. Dependendo da nova indicação para a droga, ela vai exigir novos estudos de fase 3. Em outros casos, o desenvolvedor da droga vai realizar estudos pós-comercialização
adicionais, com o objetivo de estudar a eficácia e segurança a longo prazo. Estes são os estudos de fase 4. Você pode consultar mais sobre esse assunto na página de FAQ do ClinicalTrials.gov (em inglês).

Pode demorar mais de dez anos até que um composto conceitual se torne uma nova ferramenta terapêutica. Olhando para o processo de desenvolvimento de uma perspectiva (pessoal) pragmática, torna-se claro que alguns dos fatores (drivers) que ajudam a agilizar a pesquisa são:
  • A prevalência da doença. Quanto mais comum a doença, mais provável que haverá pesquisa de medicamentos para ela. A população alvo é grande e o retorno do investimento é mais facilmente estimado. Este é o caso da diabetes, hipertensão, DPOC etc.
  • Apelo social da doença. Quanto mais atenção uma determinada doença recebe da sociedade (e sua disposição para pagar por um tratamento), é maior a chance de que investimentos serão feitos para combatê-la. Este é o caso da AIDS. Claro, a infecção pelo HIV é grave, bem como as conseqüências dela também o são, mas a pesquisa de drogas para o HIV é o melhor exemplo de como um forte interesse social impulsiona a pesquisa. Em menos de 20 anos uma doença até então desconhecida tem seu agente causador identificado e medicamentos desenvolvidos para tratá-la com sucesso. Compare com a sarcoidose, que continua a ser um mistério, ou com a malária e a tuberculose, ambas ainda graves problemas de saúde globais para as quais não há realmente tratamentos rápidos e eficientes. Por exemplo, a terapia da tuberculose cura a doença, mas dura pelo menos seis meses.
  • A gravidade da doença. Quanto mais devastadora a doença, maior a chance de que haverá pesquisa para ela. Aqui, novamente, os desenvolvedores de medicamentos sabem que a sociedade estará disposta a pagar pela nova droga. Este é o caso do câncer. De fato, atualmente o câncer é hoje a condição clínica mais investigada (Mak HC, 2011).
No entanto, doenças raras ou órfãs têm recebido mais atenção da sociedade e os órgãos reguladores nos últimos anos. Leis e incentivos, tais como o Orphan Drug Act, foram criados para facilitar ou estimular a pesquisa nessas doenças. Revisões e análises sobre esse assunto também têm sido publicadas na literatura especializada (Tambuyzer, Melnikova, referências completas abaixo) e ajudam a elevar o debate sobre as doenças raras. Recentemente, o National Institutes of Health (NIH) publicou um grande estudo sobre as necessidades para o desenvolvimento de terapias para doenças raras (em inglês), Rare Diseases and Orphan Products: Accelerating Research and Development, disponível gratuitamente, que discute a questão do acesso à pesquisa e o desenvolvimento de estratégias para a aceleração da descoberta de novas terapias para este grupo de condições clínicas.

No entanto, isto não é suficiente. Um risco maior de perder recursos impede que muitos investidores coloquem dinheiro nesta área terapêutica. Se os pais e pessoas interessadas realmente querem ver o desenvolvimento de novas terapias para as condições raras, eles terão de se organizar e pressionar para isso, o que inclui o financiamento direto da pesquisa. Há muitos exemplos destas iniciativas para um número significativo de doenças raras, tais como a fibrose cística, a alcaptonúria e outras.

Em resumo, fizemos uma breve revisão dos passos que uma nova droga potencial precisa dar para se tornar um novo medicamento no tratamento de uma doença. O assunto é complexo e eu estive longe de abordar todos os seus aspectos.

No próximo artigo vamos procurar outros desafios para o desenvolvimento de drogas para a acondroplasia. Desta vez, vamos focar nas estratégias para fazer as novas terapias em potencial, especialmente aptâmeros e outras abordagens baseadas em ácidos nucleicos, encontrarem seu caminho para a placa de crescimento e os condrócitos.

Referências

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