Saturday, July 7, 2012

Paratormônio para tratar a acondroplasia? Parte 1


FGFR3 no crescimento ósseo

O crescimento ósseo é o resultado da interação de um grande número de proteínas e moléculas semelhantes que ou trabalham acelerando ou reduzindo a velocidade do crescimento (Mackie EJ et al. 2011). Na acondroplasia, existe apenas um problema: um dos principais redutores de velocidade, a proteína chamada de receptor do fator de crescimento de fibroblastos tipo 3 (FGFR3), está hiperativa e, por isso, compromete o crescimento ósseo global, levando aos aspectos clínicos desta condrodisplasia (condro = cartilagem; displasia =  má formação, ou má formação da cartilagem). O FGFR3 fica hiperativo devido a uma troca simples de aminoácidos em sua estrutura molecular, causada por uma troca correspondente de um único nucleotídeo no gene FGFR3 (revisto aqui).

O FGFR3 foi identificado como o agente causador da acondroplasia em 1994 (siga este link para um dos primeiros trabalhos sobre o assunto). Desde então, muito se aprendeu sobre como ele exerce seus efeitos na cartilagem da placa de crescimento (Foldynova-Trantirkova S et al., 2012). Em outras palavras, a cascata química regulada por FGFR3 (revisto aqui) já é razoavelmente conhecida. Em resumo, o FGFR3 funciona de duas maneiras:

1. Reduzindo a proliferação dos condrócitos, as células no interior da cartilagem da placa de crescimento responsáveis pela construção do molde de cartilagem que será substituído por tecido ósseo;
2. Interferindo com a transição dos condrócitos para o estado de hipertrofia (maturação).

A consequência desses dois efeitos é que, com menos células produzindo o molde de cartilagem, menos tecido ósseo será criado, resultando em ossos menores e mais estreitos.

A melhor maneira de atingir o ponto B do ponto A é uma linha reta mas, se houver um obstáculo na estrada, procure opções

Quando queremos tratar uma condição clínica específica, a melhor estratégia seria a de interferir diretamente com seu agente causador. No entanto, como isso nem sempre é possível (ainda não, pois ainda é preciso muito avanço da ciência para conseguir isso), os médicos podem prescrever medicamentos que interferem nas reações químicas conhecidas e importantes para que aquela condição clínica específica ocorra. Por exemplo, a verdadeira razão pela qual alguém vai ter pressão arterial elevada (hipertensão) não é totalmente compreendida ainda, mas várias das reações químicas dentro do corpo que fazem alguém ter pressão arterial elevada são. Assim, muitos medicamentos que funcionam sobre essas reações, reduzindo a pressão sanguínea, têm sido desenvolvidos e estão disponíveis nas farmácias.

Algo parecido acontece com a acondroplasia. Embora o desenvolvimento de uma droga com ação direta contra o FGFR3 esteja ainda em fase pré-clínica (há alguns bons candidatos no laboratório), há pelo menos uma destas opções alternativas que está entrando na fase clínica do seu desenvolvimento. O estudo clínico de fase 1 do análogo do peptídeo natriurético do tipo C (CNP) BMN-111 acaba de ser concluído, de acordo com o clinicaltrials.gov. O CNP não interfere diretamente com o FGFR3, mas funciona neutralizando parte dos seus efeitos, podendo restabelecer parcialmente o crescimento ósseo, de acordo com os estudos em animais já realizados.

Os muitos agentes dentro da placa de crescimento

O CNP é um daqueles muitos fatores que mencionei no início deste artigo, tendo um efeito estimulador sobre o crescimento ósseo. Quando você estuda os complexos mecanismos químicos que regem o desenvolvimento da placa de crescimento, aprende sobre outros agentes que poderiam ser explorados como uma opção potencial para combater a inibição do crescimento ósseo vista na acondroplasia. Uma dessas opções, que vem ganhando relevância nos últimos anos, é a proteína (ou peptídeo, para alguns autores) chamada de proteína relacionada ao paratormônio (PTHrP).

PTHrP e PTH

O PTHrP é uma proteína intimamente relacionada ao PTH, o hormônio que tem um papel crucial na saúde dos ossos, regulando metabolismo do cálcio e do fósforo, e as atividades dos osteoblastos (as células ósseas que constroem osso) e os osteoclastos (as células ósseas que absorvem osso). A falta de PTH leva à problemas ósseos e a distúrbios do cálcio e fósforo no sangue, causando importantes complicações clínicas. A homologia (semelhança) entre PTH e PTHrP é grande. Eles têm uma estrutura bastante semelhante na chamada extremidade C-terminal. Antes de continuar, é bom saber que quando você vê uma cadeia de aminoácidos de uma proteína, em uma extremidade vai necessariamente encontrar uma estrutura de ácido (a parte C-terminal) e na outra você vai encontrar uma estrutura amino (a parte N-terminal). É muito importante saber disso porque cada uma destas estruturas gera funções distintas para a proteína.

Mais importante ainda, no osso tanto o PTH e o PTHrP exercem as suas funções (ou sinalizam) através do acoplamento com o mesmo receptor de membrana celular, denominada receptor de PTH tipo 1 (PTHR1). Por isso, é lógico esperar que as reações causadas pelo PTH e PTHrP poderiam ser muito semelhantes. Você deve se lembrar de que quando falamos de receptores de membrana celular, podemos pensar em uma espécie de antena de recepção de sinais (químicos) a partir do exterior da célula que os transmite para o núcleo da célula, onde a resposta celular será gerada de acordo com a mensagem recebida.

Existem também algumas diferenças relevantes entre o PTH e o PTHrP. Enquanto o PTH é produzido pelas glândulas paratireóides e circulam na corrente sanguínea, oo PTHrP é encontrado em muitos tecidos do corpo, mas suas funções exatas nestes locais não são completamente compreendidas. Parece que o PTHRP exerce diversas funções de controle celular após o nascimento, mas a importância dessas funções em uma situação de normalidade precisa ainda ser estabelecida (McCauley & Martin, 2012). Tanto quanto sabemos, o local onde o PTHrP tem papel muito relevante é exatamente a cartilagem da placa de crescimento.

PTHrP na placa de crescimento da cartilagem

O principal efeito do PTHrP na placa de crescimento é o de manter os condrócitos em um estado de proliferação (em outras palavras, mantê-los se multiplicando). Tendo em mente que tanto o PTH quanto o PTHrP usam o mesmo receptor, faz sentido pensar que o PTH poderia atuar da mesma maneira que o PTHrP no condrócitos.

Para aumentar a complexidade, o PTHrP atua em concerto com outro modulador de crescimento muito importante chamada Indian Hedgehog (IHH, ou porquinho-da-índia: concordo com você, os cientistas são muito criativos para nomear moléculas orgânicas). O IHH é fundamental para o desenvolvimento da placa de crescimento e uma das suas ações é de estimular as células no pericôndrio (a estrutura que circunda os condrócitos e a matriz cartilaginosa) e os condrócitos da zona de repouso (resting zone) para liberar PTHrP, que por sua vez, quando ligado ao PTHR1, induz os condrócitos a proliferar e os impede de iniciar o processo de maturação. Quando os condrócitos estimulados se distanciam do local onde o PTHrP é liberado, eles começam a amadurecer (hipertrofiar) e entram na próxima fase do seu ciclo de vida. Há uma excelente revisão do Dr. Henry Kronemberg, onde ele descreve o desenvolvimento e crescimento ósseos e as funções do PTHrP e da IHH na cartilagem da placa de crescimento (Nature, 2003).

O FGFR3 reduz a produção de PTHrP?

Como vimos antes, o FGFR3 reduz o ritmo de proliferação e de  de maturação dos condrócitos. O FGFR3 faz isso superestimulando duas importantes cascatas de sinalização dentro do condrócito, as vias da MAPK e STAT1 (comentado aqui). Agora, pense nisso: a IHH é uma proteína produzida por condrócitos hipertróficos (maduros), as células no final do ciclo de crescimento dentro da cartilagem. É razoável pensar que o FGFR3, reduzindo o número de condrócitos que atingem o estágio de hipertrofia, poderia reduzindo a quantidade de IHH produzida. Isto por sua vez poderia levar a uma redução de PTHrP, que sabemos que estimula os condrócitos a proliferar. Assim, também é razoável pensar que parte das ações do FGFR3 no controle do crescimento ósseo é indireta, através da redução da disponibilidade de PTHrP. Na verdade, já há evidências desse efeito (Chen L et al., 2001).

Neste artigo, fizemos uma breve revisão de algumas propriedades do PTH e do PTHrP. No próximo artigo vamos começar a explorar o potencial uso de PTH ou PTHrP para tratar a acondroplasia.

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