Tuesday, September 11, 2012

Paratormônio para tratar a acondroplasia? Parte 2: uso médico e experimental do PTH


No último artigo, aprendemos que o hormônio da paratireóide (PTH, paratormônio) e a proteína relacionada ao PTH (PTHrP) têm estruturas bastante parecidas ​​(embora o PTHrP seja maior) e atuam através do mesmo receptor, produzindo basicamente os mesmos efeitos em suas células- e tecidos-alvo do corpo. Observamos também que, enquanto o PTH é um hormônio circulante, o PTHrP funciona localmente, no local onde é liberado. É interessante notar que ambas as proteínas, dadas sistemicamente, causam efeitos semelhantes na saúde dos ossos e interferem com o metabolismo do cálcio e do fósforo de forma semelhante (1).

Agora, vamos explorar um pouco mais as funções naturais do PTH e também checar o uso atual médico do PTH em doenças ósseas. Mas, primeiro, quero dizer que não vamos entrar em muitos detalhes aqui, quero somente dar ao leitor uma idéia sobre a pesquisa feita com o PTH e o que podemos aprender com ela, novamente para nos ajudar a entender se a terapia com PTH poderia ser uma opção para a acondroplasia.

Antes de começar, vamos falar um pouco sobre os análogos do PTH. Isso é relevante porque, se queremos decidir se o PTH poderia ser usado para tratar a acondroplasia, teremos de escolher o melhor análogo candidato. Atualmente, existem dois deles  sendo comercializados, para o tratamento da osteoporose. Um deles é uma cópia do hormônio natural, que compreende os 84 aminoácidos originais (PTH 1-84). O outro é chamado teriparatide (Forteo™ ou Forsteo™, Ely Lilly), um análogo formado pelos primeiros 34 aminoácidos da parte N-terminal do hormônio (lembra-se que revimos esses terminais de proteína também no último artigo?). O PTHrP também tem sido alvo de pesquisa e existe pelo menos um análogo em desenvolvimento, também para a osteoporose (2). Os cientistas descobriram que tanto o PTH e PTHrP têm nas suas respectivas cadeias vários segmentos de aminoácidos, quase todos com funções distintas. Por exemplo, o teriparatide foi concebido após a demonstração de que este segmento na parte N-terminal da molécula tem uma função potente como anabólico no osso. Além disso, as propriedades dos outros segmentos têm sido entendidas como a razão pela qual existem algumas diferenças nos efeitos observados em estudos de PTH 1-84 e PTH 1-34 no metabolismo do cálcio e nas taxas de proliferação celular. Como um exemplo, parece que a falta do C-terminal da PTH 1-34 seria responsável pelo forte efeito pró-proliferativo deste composto em comparação com o PTH completo (3). Guarde esta informação, pode ser importante em nosso contexto.

PTH controla o metabolismo do cálcio e do fósforo

O PTH é produzido pelas glândulas paratireóides. A sua ação metabólica principal está relacionada com o controle dos níveis sistêmicos (quantidade no sangue) de cálcio e fósforo. Ele exerce esse controle através da mobilização do cálcio de seus depósitos naturais, os ossos ou pelo controle de sua excreção (eliminação) pelos rins. Quando a quantidade de cálcio em circulação cai abaixo de um ponto de corte fisiológico (o qual é controlado por meio de sensores químicos), o PTH é liberado pela paratireóide e induz a mobilização das reservas de cálcio nos ossos, enquanto regula a sua excreção pelos rins. Quando a liberação de PTH é equilibrada, o cálcio é mantido sob controle no sangue. No entanto, quando a paratireóide não está funcionando corretamente, seja produzindo muito ou pouco PTH, há consequências para o corpo. No hiperparatireoidismo, os ossos tornam-se frágeis, devido à diminuição excessiva dos depósitos de cálcio, o que leva à osteoporose. Cálculos renais também são um achado comum em pacientes afetados. No hipoparatireoidismo, a falta de cálcio suficiente no sangue também produz consequências clínicas, tais como espasmos musculares e tetania.

O PTH é uma faca de dois gumes no metabolismo ósseo

Acabamos de ver que o PTH, em excesso, pode causar osteoporose. Assim, por que este hormônio tem sido utilizado no tratamento da osteoporose? Há mais de uma década, alguns análogos do PTH estão disponíveis para o tratamento desta condição. O PTH tem um duplo modo de ação no metabolismo ósseo, estimulando tanto as células que produzem quanto as reabsorvem osso (osteoblastos e osteoclastos, respectivamente), ao mesmo tempo. Se dado continuamente, o PTH causa reabsorção óssea (catabolismo), aumentando a atividade dos osteoclastos sobre a dos osteoblastos, o que leva à osteoporose, assim como vemos em casos de hiperparatireoidismo, enquanto que a sua utilização intermitente induz a produção de osso (anabolismo). É por isso que o atual regime aprovado de PTH no tratamento da osteoporose é uma dose única diária, descrita como intermitente.

Terapia de reposição hormonal é uma realidade, mas não para o PTH

Para pessoas com hipotireoidismo, a melhor terapia é a reposição do hormônio da tireóide. Para os pacientes com diabetes tipo 1, onde não há produção de insulina pelo pâncreas, a atual terapia padrão ouro é a reposição de insulina. Para as pessoas com insuficiência de hormônio de crescimento (GH), devido à deficiência da hipófise, a utilização de GH é plenamente justificada. É notável que a única deficiência glandular em que a terapia não inclui a reposição do hormônio falta é exatamente o hipoparatireoidismo.

Terapia com PTH no hipoparatireoidismo

Embora o PTH tenha sido licenciado oficialmente somente para tratar a osteoporose, tem sido também testado no hipoparatireoidismo. Em resumo, o hipoparatireoidismo pode ser causado por dois tipos de distúrbios, classificados como primários ou secundários. Se a doença está sendo causada por um problema da glândula, então a causa é primária; quando a causa da deficiência hormonal ocorre por fatores externos, por exemplo, cirurgia da tireóide, então é secundária. É natural pensar que a substituição do PTH poderia ser uma opção para o hipoparatireoidismo. De fato, há estudos que trabalham com isso. Vamos olhar aqueles que estão sendo realizados pelo grupo de Karen Winer. Este grupo tem trabalhado com crianças com hipoparatireoidismo por muitos anos e publicou alguns estudos relevantes (3-5). O primeiro, publicado em 2003, descreveu os resultados de três anos de tratamento de adultos com hipoparatireoidismo, mostrando que ele era pelo menos tão bom - e seguro - como a terapia padrão com calcitriol (um análogo da vitamina D) e cálcio. Em dois outros trabalhos mais recentes, eles testaram tanto a curto e longo prazo o tratamento com PTH 1-34 em crianças com hipoparatireoidismo (4,5). Mais uma vez, o PTH mostrou ser tão eficaz e seguro quanto a terapia padrão. Com base nestes e em outros estudos publicados, poderíamos dizer que já há evidência para o uso de reposição de PTH em indivíduos com hipoparatireoidismo.

Utilização experimental da terapia com PTH

O PTH foi testado não só no osso, mas também na cartilagem em modelos animais, com base no efeito estabelecido deste hormônio sobre a proliferação (multiplicação) de condrócitos. Um destes estudos explorarou o efeito do PTH em um modelo de lesão da cartilagem articular (6). Neste caso, o PTH foi dado sistemicamente, atingiu a cartilagem e induziu a regeneração do tecido danificado.

Por que este estudo é importante? Porque mostra que, em um tecido muito semelhante ao da cartilagem da placa de crescimento o PTH, administrado à distância (sistemicamente), foi capaz de alcançar a área de interesse e exerceu a ação esperada. Mesmo tendo em conta que os condrócitos articulares não são exatamente iguais aos dos da placa de crescimento, o mecanismo básico por trás do efeito é bastante semelhante, ou seja, os condrócitos começam a proliferar sob o estímulo produzido pela ligação do PTH com o seu receptor.

Outros estudos exploraram o PTH na reparação de danos em tendão e no reparo de fraturas ósseas. Todos eles se baseiam nos efeitos proliferativos/anabólicos do PTH no osso e na cartilagem.

Em resumo

Revimos algumas propriedades do PTH para saber se ele pode ser utilizado como uma opção terapêutica para a acondroplasia. Até agora vimos que:

  • O PTH tem uma molécula muito parecida, chamada de PTHrP, a qual difere da hormônio porque não circula no sangue em circunstâncias normais. Pelo contrário, é uma proteína localmente liberada;
  • O PTH e o PTHrP funcionam na ativação de funções celulares ligando-se ao mesmo receptor na membrana celular dos condrócitos, o receptor de PTH;
  • Na placa de crescimento da cartilagem, o papel fundamental do PTHrP é manter os condrócitos em um estado proliferativo (multiplicativo);
  • Mutações no receptor de PTH, quer reduzindo ou aumentando a atividade do receptor causam alterações na placa de crescimento;
  • As mutações do FGFR3 com ganho em função, como visto na acondroplasia, parecem reduzir a disponibilidade local de PTHrP na placa de crescimento;
  • Usado clinicamente na osteoporose em adultos ou em estudos experimentais para o hipoparatireoidismo em adultos e crianças, o PTH vem demostrando um perfil razoavelmente seguro;
  • Há evidências de que a PTH, dado sistemicamente, atinge o tecido da cartilagem, e exerce a ação esperada.
  • Existem vários análogos de PTH em uso clínico ou em desenvolvimento agora. Eles podem ter propriedades distintas de acordo com o tamanho ou estrutura.

Agora, é hora de rever os dados específicos sobre PTH e PTHrP na acondroplasia, o que faremos no próximo artigo.

Referências


2. Hattersley G et al. BA058, a Novel hPTHrP Analog, Reverses Bone Loss and Improves Bone Strength in Ovariectomized Rats. Osteoporos Int 2012; 23 (Suppl 2):S77-8.






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