Monday, December 10, 2012

Um novo estudo clínico de fase 1 com um anticorpo anti-FGFR3 em Mieloma Múltiplo. Este anticorpo poderia ser usado na acondroplasia?



Palavra-chave: FGFR3 = receptor  de fator de crescimento de fibroblastos tipo 3.

Introdução

Durante a último congresso anual da Sociedade Americana de Hematologia, a Genentech apresentou os resultados do estudo clínico de fase 1 realizado com um anticorpo específico anti-FGFR3, o MFGR1877S, em pacientes com mieloma múltiplo (MM).
(Trudel et al, 2012)

Em uma definição simplificada, MM é uma forma de câncer que afeta um tipo específico de células do sangue. Em um número significativo de casos de MM, estas células cancerosas têm demonstrado expressar (produzir) grandes quantidades de FGFR3, por vezes com mutações semelhantes às encontradas em displasias ósseas relacionadas com o  FGFR3, tais como a displasia tanatofórica.

Os cientistas acreditam que a presença de uma produção aumentada do FGFR3 no MM provoca um aumento adicional na proliferação e na sobrevivência das células cancerosas. Você deve se lembrar que já revisamos isso: com exceção dos condrócitos, o FGFR3 normalmente estimula a multiplicação celular. Se o FGFR3 faz com que as células cancerosas se multipliquem, então desenvolver uma terapia dirigida contra o FGFR3 no MM parece ser algo razoável. Sem o gatilho da proliferação, talvez o MM possa ser tratado de forma mais eficiente.

O que é um anticorpo? Como ele funciona?

Um anticorpo é uma espécie de proteína criada pelas células do sistema imunilógico (o sistema de defesa do corpo) para atacar um certo alvo (uma outra proteína, moléculas complexas, um vírus etc.) Ataque aqui significa que esta proteína, concebida para se ligar a
uma área específica do alvo, irá formar um grande complexo com ele, permitindo que o sistema de defesa possa destruir o alvo.

Anticorpos são feitos por demanda e sob medida para um alvo específico. Por exemplo, quando você toma uma vacina, digamos que a vacina contra a gripe, você está sendo inoculado com partes inativadas do vírus que causa a gripe. Isso chamará a atenção do sistema imunilógico, que compreenderá que a proteína da vacina não é um amigo e começará a produzir proteínas (anticorpos) especificamente contra a proteína estranha. Quando o  verdadeiro vírus da gripe invadir o corpo, já haverá uma barreira de defesa extremamente eficaz e o vírus será rapidamente derrotado. E o indivíduo não terá a gripe.

Os cientistas há muito tempo compreenderam esse mecanismo e, agora, também somos capazes de criar anticorpos contra proteínas-alvo associadas à doenças específicas. Um dos melhores exemplos atuais é um que eu descrevi antes no blog (aqui): trastuzumab, um anticorpo que se liga à parte extracelular de um receptor celular semelhante ao FGFR3, o receptor do fator de crescimento epitelial (EGFR). Você pode visitar este link para ver como ele funciona.

O trastuzumab ajudou a mudar a história de um subtipo de câncer de mama, no qual as células cancerosas produzem enormes quantidades de EGFR. Elas fazem isto porque este receptor está ligado à multiplicação e sobrevivência celular, tarefas semelhantes aos do FGFR3 no MM. Quando o trastuzumab se liga à parte extracelular do EGFR, o que impede a ligação de um EGF ao seu receptor, inibindo assim a cascata de reações químicas que seria acionada se o receptor fosse ativado (veja a animação!). Com o EGFR fora de combate, as células cancerosas perdem a capacidade de se multiplicar e morrem mais facilmente.

Hoje em dia, estratégias semelhantes estão sendo utilizadas para muitos outros tipos de câncer, tal como na leucemia e linfoma. Estão também sendo testadas em outras doenças inflamatórias crônicas tais como artrite reumatóide e lúpus, onde algumas das proteínas do corpo, que se supoem serem responsáveis pela progressão da doença, são alvos de pesquisa ou terapia. Até agora, a terapia com anticorpos tem mostrado ser muito eficaz para controlar estas desordens.

Pode um anticorpo específico contra o FGFR3 ser usado para tratar a acondroplasia?

A notícia relevante sobre os resultados deste estudo com o MFGR1877S é que parece que há um anticorpo ativo contra o FGFR3, a proteína que, quando mutada, causa a acondroplasia, já em desenvolvimento clínico.
Segundo, ele mostrou sinais de que bloqueia o receptor em humanos.

Agora, devemos nos perguntar: poderia esse anticorpo ser usado para tratar a acondroplasia? A resposta também é uma interrogação. Teoricamente, se você tem um anticorpo contra o FGFR3, ele deve ser capaz de se ligar ao receptor e "fechá-lo (veja a animação do trastuzumab). No entanto, os anticorpos são moléculas grandes. Quando o alvo está localizado em um tecido que tem  fluxo sanguíneo direto, é provável que o anticorpo seja bem sucedido. No entanto, quando o alvo tem uma barreira natural, onde o tecido circundante não é banhado pelo sangue, como é o caso da placa de crescimento, as coisas podem ficar difíceis. A placa de crescimento é uma formidável barreira natural para moléculas grandes, como a evidência científica tem demonstrado (veja aqui).

Bem, já há pelo menos três bons anticorpos anti-FGFR3 candidatos conhecidos (PRO-001, Prochon; MFGR1877S, Genentech; IMC-D11, ImClone; todos com acesso livre). Como podemos testá-los?

Primeiro, esses anticorpos já atingiram a fase clínica de desenvolvimento, o que significa que não foram encontrados, até o momento, problemas graves de segurança. Resultados disponíveis sugerem que eles encontram o seu alvo nos pacientes. Para a acondroplasia, no entanto, os testes deveriam começar em um modelo animal de acondroplasia, não por preocupações importante sobre sua segurança, mas porque seria preciso ver se o anticorpo candidato alcança a placa de crescimento em um animal vivo em doses terapêuticas e seguras. Se um desses anticorpos provar sua eficácia em tais condições, então creio que a pesquisa poderia ir mais rápido para o desenvolvimento clínico, uma vez mais porque eles já foram testados em humanos e vem apresentando, de acordo com a informação disponível, serem seguros.

Devemos ser realistas

Diz-se que o PRO-001 foi um anticorpo originalmente desenvolvido para combater a acondroplasia, cerca de 10 anos atrás.
Ele foi provavelmente foi testado (apenas um palpite, não podemos confirmar isso) nas condições que eu descrevi acima, mas não vemos qualquer pesquisa publicada sobre ele. Como não existem estudos que descrevam tais testes, podemos apenas supor que os resultados destes presumidos testes em animais não foram positivos. Publicar resultados negativos sempre foi um assunto de debate na comunidade científica. Em resumo, a publicação de "maus" resultados não é boa para o currículo.

Próximos passos?

Alguém interessado provavelmente teria de realizar testes em um modelo de acondroplasia apropriado para ver se seria aconselhável testar o anticorpo candidato em crianças com acondroplasia.
Mais uma vez, principalmente não porque haja grandes preocupações sobre a segurança em ​​doses terapêuticas razoáveis, mas por causa da chance dele não ter a eficácia desejada.

Um teste em um modelo animal de acondroplasia tem suas complexidades, mas não é muito demorado ou excessivamente caro.
O que precisamos agora é ter um desenvolvedor interessado em perseguir respostas para a pergunta natural que ele seria capaz de fazer: “há uma proteína mutada causando uma condição que produz uma série de ​​conseqüências clínicas indesejáveis, para a qual não há tratamento disponível. Ela tem uma função mapeada e, acima de tudo funciona, principalmente, em um único tipo de células (o condrócito), em um único tecido (placa de crescimento). Eu tenho um anticorpo para inibir essa proteína. Por que não testá-lo, para ver se seria útil para tratar esta condição?”

Veja, é sempre uma questão de vontade.

 
 Referência
 

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