Friday, January 24, 2014

Por que os condrócitos param na acondroplasia? parte 2

Introdução

No último artigo regular do blog analisamos uma hipótese interessante formulada pelo Dr. Pavel Krejci, um dos mais entusiasmados investigadores das propriedades moleculares do receptor do fator de crescimento de fibroblastos 3 (FGFR3), para explicar por que o FGFR3, um estimulador de crescimento conhecido para a maioria da células do corpo, funciona no sentido oposto em condrócitos. (1)

Em resumo, o FGFR3 é um freio natural para o crescimento de condrócitos, ajudando estas células, os mestres do crescimento ósseo, a regular seu próprio ritmo de proliferação (multiplicação). A mutação G380R no FGFR3, a causa da acondroplasia (2), faz com que esta enzima fique mais ativa do que o normal, forçando assim os condrócitos a parar de multiplicar e amadurecer, causando a parada do crescimento ósseo. A ação normal do FGFR3 em condrócitos é importante para o crescimento normal do osso: se não houvesse o FGFR3, os ossos cresceriam excessivamente e também surgiriam consequências ruins. (3,4)

Vimos também que o FGFR3 funciona através de uma série do que chamamos de cascatas de sinalização para exercer seus efeitos nos condrócitos e uma dessas cascatas, a da proteína quinase ativada por mitógeno (MAPK) parece ser de relevância fundamental no crescimento ósseo (figura 1; [5]). 

A MAPK estimula o crescimento celular

A cascata MAPK é um fator positivo chave para a proliferação, crescimento,sobrevivência e especialização para a maioria das células do corpo, incluindo as células cancerígenas. (6)

Figura 1. Via de sinalização FGFR3-MAPK (ERK)




Como vimos no último artigo, em condições normais, a célula possui mecanismos de controle de qualidade que são ativados quando algo parece estar errado com as suas funções, por exemplo, quando recebe estímulos de crescimento demais. Isso faz com que a célula "interprete" esses estímulos excessivos como perigosos e ligue o sistema de controle. (7)

Pelo contrário, no câncer esses controles são perdidos e as células se multiplicam livremente. Em alguns tipos de câncer, as células cancerosas começam a produzir um FGFR3 que apresenta a mesma mutação que, quando ocorre de forma espontânea, causa um tipo mais grave e letal de displasia óssea, chamada de displasia tanatofórica (TD). Na TD, o FGFR3 é tão ativo que não precisa ser acionado por um FGF, está sempre ligado e trabalha sozinho (o que é chamado de ativação constitutiva). (8) Isso faz com que a via FGFR3-MAPK fique extremamente ativa, conduzindo a célula cancerosa a se multiplicar sem controle.

MAPK em condrócitos

Condrócitos parecem ser uma exceção à regra da MAPK: em vez de crescer sob a influência da via FGFR3-MAPK, reduzem seu ritmo de crescimento e, de acordo com Dr. Krejci, isto ocorreria porque os condrócitos utilizariam o sistema de controle de qualidade para reagir ao estímulo dado por essa cascata de sinalização. (1,9) As células que utilizam este sistema de controle entrariam no que é chamado de estado de senescência celular: elas manteriam algumas funções celulares, mas não seriam mais capazes de multiplicar (sem multiplicação de condrócitos = sem crescimento ósseo).

Como mencionamos no artigo anterior, este conceito poderia ser questionado: a mutação faz com que condrócitos entrem em senescência, mas não é a função normal do FGFR3 reduzir o ritmo de crescimento dos condrócitos? O fenômeno da senescência está sendo ativado nos condrócitos, mesmo sob a influência da atividade de um FGFR3 normal?

Estive pensando sobre este problema ultimamente e não consegui encontrar uma resposta certa para estas perguntas. Senescência celular é muitas vezes mediada por uma famosa proteína controladora chamada p53. Ela trabalha com um par de outras proteínas e juntas são consideradas mestres desse tipo de controle de proliferação. (7) Além disso, já se sabe que os condrócitos, sob a influência da sinalização iniciada pelo FGF, também desencadeia sistema de controle de crescimento mediado pela proteína p107. (10) Por fim, tem sido também demonstrado que os membros da família de proteínas Sprouty podem inibir o FGFR3 e outras enzimas celulares e também podem desencadear a senescência. (11) No entanto, é difícil dizer por que, em condições normais (pense no FGFR3 normal) esse controle seria ligado em condrócitos e estaria exacerbado em células portadoras do receptor mutante. Como isso acontece?

Já sabemos que o FGFR3 é apenas um dos muitos outros fatores que controlam o ritmo do crescimento ósseo, a maioria deles atuando como moduladores positivos, incluindo o paratormônio e seu peptídeo relacionado (PTH, PTHrP), o peptídeo natriurético tipo C (CNP), o hormônio de crescimento/fator de crescimento semelhante a insulina 1 (GH/IGF-1), entre outros.

Talvez, a soma de todos estes estímulos positivos, adicionado pelo estímulo extra dado por FGFR3 (lembre que oFGFR3 é um estimulador de crescimento para outras células) é o gatilho destes sistemas de controle de crescimento dos condrócitos. A questão é, seja dirigida por p53, p107 ou proteínas Sprouty esses sistemas são os mesmos em todas as células, então por que os condrócitos se comportam diferentemente?

Bom, isso ainda tem que ser demonstrado. 

Uma nota final 

No último artigo disse que o próximo seria sobre a abordagem da via MAPK para tratar a acondroplasia. Este é o terceiro artigo ou nota que publiquei aqui desde então. O tópico sobre a senescência dos condrócitos é muito importante e não pude deixar de pensar um pouco mais sobre ele. No próximo artigo, estaremos finalmente analisando mais de perto o uso de inibidores da MAPK que estão sendo explorados no tratamento do câncer, para tratar a acondroplasia. 

Referências

1. Krejci P. The paradox of FGFR3 signaling in skeletal dysplasia: why chondrocytes growth arrest while other cells over proliferate. Mut Res 2013; http://dx.doi.org/10.1016/j.mrrev.2013.11.001.

2. Bellus GA et al. Achondroplasia is defined by recurrent G380R mutations of FGFR3. Am J Hum Genet 1995;56(2):368-73. Acesso livre.

3. Colvin J et al. Skeletal overgrowth and deafness in mice lacking fibroblast growth factor receptor 3. Nature Genetics 1996; 12:390-7.

4. Toydemir RM et al. Novel mutation in FGFR3 causes camptodactyly, tall stature, and hearing loss (CATSHL) Syndrome. Am J Hum Genet 2006;79(5):935-41.
Acesso livre.

5. Foldynova-Trantirkova S et al. Sixteen years and counting: the current understanding of fibroblast growth factor receptor 3 (FGFR3) signaling in skeletal dysplasias. Hum Mutat 2012; 33:29–41.
Acesso livre.

6. Santarpia L et al. Targeting the mitogen-activated protein kinase RAS-RAF signaling pathway in cancer therapy. Expert Opin Ther Targets 2012; 16(1): 103–19.
Acesso livre.

7. Campisi J & Fagagna FA. Cellular senescence: when bad things happen to good cells. Nature Rev Mol Cell Biol 2007;8:729-40.

8. d'Avis PY et al. Constitutive activation of fibroblast growth factor receptor 3 by mutations responsible for the lethal skeletal dysplasia thanatophoric dysplasia type I. Cell Growth Differ 1998;9(1):71-8.
Acesso livre.

9. Krejci et al. FGFR3 signaling induces a reversible senescence phenotype in chondrocytes similar to oncogene-induced premature senescence. Bone 2010; 47:102–10. 
Acesso livre sob certas condições.

10. Kolupaeva V et al.The B55α regulatory subunit of protein phosphatase 2A mediates fibroblast growth factor-induced p107 dephosphorylation and growth arrest in chondrocytes. Mol Cell Biol 2013;33(15):2865-78.



11. Macià A et al. Sprouty1 induces a senescence-associated secretory phenotype by regulating NFκB activity: implications for tumorigenesis. Cell Death Differ 2014; 21(2):333-43.
 

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