Wednesday, June 15, 2016

Tratando a acondroplasia: NVP-BGJ398, um inibidor de tirosina quinase, restaura o crescimento ósseo em um modelo de acondroplasia

Para lembrar

Este artigo e os outros no blog buscam explicar a ciência por trás da pesquisa para terapias para a acondroplasia com textos adaptados e simplificados a fim de ajudar sua compreensão, evitando detalhes técnicos complexos sobre os tópicos discutidos. Para aqueles que têm mais conhecimento na área recomendo que visitem os links fornecidos em todos os textos bem como as referências citadas para obter mais informações técnicas, se necessário.

Para os recém-chegados, embora eu tenha buscado simplificar o texto, pode ser que a linguagem aqui pareça um pouco difícil de entender em uma primeira leitura. Não desista. Temos artigos mais antigos no blog que explicam a acondroplasia, a placa de crescimento, condrócitos, o receptor do fator de crescimento de fibroblastos 3 (FGFR3), enzimas e outros tópicos relacionados usando analogias, animações e imagens. Você tem apenas que procurar o índice no idioma de sua preferência para encontrá-los. Fique tranquilo e confira esses artigos.Aprender sobre o terreno que estamos atravessando é bom para que não nos percamos, especialmente porque este é um território (parcialmente) desconhecido.

Um conceito básico

Eu sei, eu sei, os leitores mais velhos (?) deste blog não gostarão, mas acho importante destacar um conceito simples sobre a acondroplasia antes de continuar. A acondroplasia é causada por uma alteração na estrutura (uma mutação) da enzima chamada FGFR3. O FGFR3 é um freio natural do crescimento ósseo, reduzindo e equilibrando a aceleração natural do crescimento ósseo produzida por vários outros agentes que trabalham no interior das placas de crescimento. Como na acondroplasia o FGFR3 está funcionando em excesso, o resultado é que os ossos não podem crescer no seu ritmo programado, ou crescem com “freio puxado”, resultando nas características clínicas desta displasia esquelética.

Agora, direto ao tema. 

Primeira pergunta: o que é um inibidor da tirosina-quinase (TKI)?

Um inibidor da tirosina quinase é uma pequena molécula desenhada para bloquear a atividade de um grupo de enzimas denominadas tirosina-quinases (TK), que funcionam por meio de reações químicas promovidas pelo aminoácido tirosina. O nosso conhecido FGFR3 é uma tirosina-quinase.

Em resumo, muitas dessas TKs estão fixadas cruzando a membrana celular (Figura 1) e trabalham transmitindo, através de reações químicas em suas estruturas, os sinais que vêm a partir do exterior da célula ao núcleo celular. Elas funcionam como antenas de TV e, pelo seu modo de ação, essas TKs também são chamadas de enzimas receptoras (ou tirosina-quinase receptoras, RTKs).

Figura 1. As famílias de RTKs.


Estrutura esquemática das principais famílias de RTKs humanas. Bacco F et al. http://www.cancer-therapy.org/. Reproduzido aqui somente com fins educativos.
O FGFR3 faz parte de uma família de quatro RTKs irmãs (1 a 4). Todos os FGFRs apresentam uma estrutura similar (Figura 2): há uma porção colocada no exterior da célula (domínio extracelular), uma parte que atravessa a membrana da célula (domínio transmembrana), e uma porção intracelular (ou o domínio de tirosina-quinase). Esta porção intracelular é a responsável pela transmissão do sinal vindo do exterior da célula a várias redes de enzimas localizadas no citoplasma, permitindo que a célula responda adequadamente a esse sinal. Sinais que são "gerenciados" por FGFRs vêm de FGFs (1).

Figura 2. Estrutura do FGFR3.




Como já foi dito, o domínio intracelular do FGFR3 tem alguns pontos ricos em tirosina. Importante, as tirosinas estão escondidas numa espécie de "sulco" na estrutura da enzima, que é chamado de "bolso de ATP" (ATP pocket; ATP: adenosina trifosfato).

Bem, por que as tirosinas são tão importantes?

Quando um FGF conecta com o FGFR3 fora da célula, ocorre uma mudança na estrutura do FGFR3 no interior da célula, levando à abertura do bolso de ATP, o que “expõe" as tirosinas no ambiente local (Animação 1). A questão é que a tirosina é um aminoácido muito reativo e o ambiente local é rico em ATPs, moléculas que carregam o íon fósforo, que também é muito reativo. Uma atrai a outra e a reação resultante entre as tirosinas e ATPs (chamada de fosforilação) atrai mais novas enzimas para a vizinhança. A reação química "percorre" de uma enzima para a outra, o que é chamado de “cascata de sinalização". Imagine que essas são como cadeias de dominó, você (o sinal) empurra um bloco de dominó e os outros seguirão em sequência, até os últimos alcançarem alguns pontos dentro do núcleo para promover uma resposta coordenada do núcleo da célula àquele sinal original. Assista a Animação 2 para seguir um sinal desde de fora da célula até o núcleo (a animação é um pouco longa, mas instrutiva).

Animação 1. Ativação da RTK e a reação com os ATPs (fonte desconhecida, do YouTube).





Animação 2. Cascata de sinalização.

http://content.dnalc.org/content/c16/16877/cell_signals.mp4
DNA Learning Center by Cold Spring Harbor Laboratory

Bloqueando enzimas receptoras


Agora, imagine se pudéssemos colocar uma “fita colante” sobre o bolso de ATP para bloquear o início da reação em cadeia promovida por essas tirosinas. Se você não puder "abrir" o bolso, as tirosinas não serão expostas e a cascata de sinalização vai parar. Isto é exatamente o que o TKI faz (Animação 3). Eles são pequenas moléculas que podem trafegar facilmente através de tecidos e membranas celulares e se ligar a esses bolsos de ATP dentro da célula, bloqueando as funções da enzima-alvo.

Animação 3. Mecanismo de ação do lapatinib, um TKI concebido para inibir EGFR2 / HER2 (um RTK).



Bom, não é? O que estamos esperando para simplesmente por um desses TKI para bloquear o FGFR3 e resolver o distúrbio do crescimento ósseo na acondroplasia?

O problema é que os FGFRs não são as únicas enzimas que contêm bolsos de ATP. Pelo contrário, há várias outras famílias de enzimas que os contêm, também, e os bolsos são muito semelhantes em todas elas (Figura 1). Apenas para dar um exemplo, no caso da família dos FGFRs, mais de 60% da estrutura das quatro enzimas é similar entre elas, incluindo a forma dos bolsos de ATP (1). Esta semelhança ou similaridade da estrutura é chamada de homologia.

Desde a sua identificação, muitos TKIs já foram desenvolvidos. As primeiras gerações de TKIs tinham uma ampla gama de efeitos ao se ligarem a várias famílias de enzimas diferentes ao mesmo tempo (Figura 3), de modo que são normalmente chamados de medicamentos multiquinases. Os TKIs mais recentes são mais específicos, e os desenvolvedores tentar encontrar a molécula capaz de bloquear apenas uma enzima, ou pelo menos apenas enzimas de uma determinada família. Esta é uma tarefa difícil, exatamente por causa da homologia da estrutura destas diversas enzimas receptoras. No entanto, temos visto uma série de novos TKIs anti- FGFR sendo descrita nos últimos anos, com menos efeito sobre outras enzimas (já revisto no blog).

Figura 3. TKIs antigos e seus múltiplos alvos.


Cada bola colorida representa uma enzima que pode ser inibida por estes TKIs.

Então, os TKIs são bons para a acondroplasia?

Esta foi a pergunta em um artigo recente publicado neste blog. Naquela revisão, comentamos sobre o estudo publicado pelo grupo do Dr. Pavel Krejci sobre o uso de TKIs disponíveis para tratar o defeito do crescimento ósseo na acondroplasia (2). O Dr. Krejci é um dos pesquisadores mais entusiastas no campo do FGFR3, e autor ou co-autor de vários estudos relevantes nos últimos dez anos ou mais. Por exemplo, ele foi um dos pesquisadores que trabalharam no estudo que validou o peptídeo natriurético tipo C (CNP) como agente essencial para promover o crescimento ósseo (3), o que resultou em fortalecer ainda mais o trabalho de desenvolvimento clínico do vosoritide (BMN-111), que está agora sendo testado em um estudo de fase 2.

Voltando ao estudo de Gudernova et al. (2), o grupo do Dr. Krejci frequentemente usa um modelo padrão de células de condrossarcoma de rato (RCS, uma célula cancerosa de origem cartilaginosa) que, sob a ativação do FGFR3, se comporta de forma semelhante aos condrócitos da placa de crescimento. Assista ao vídeo 1 para ter uma ideia de como as células RCS se comportam quando expostas ao FGF2. Neste vídeo podemos inferir quais o efeitos da sinalização do FGFR3 sobre os condrócitos.

Vídeo 1. Células RCS respondem a estímulos do FGF2. Este modelo celular de FGFR3 reage de forma semelhante aos condrócitos da placa de crescimento. De: REACH Registry achondroplasia.



Os pesquisadores testaram cinco TKIs anti-FGFR disponíveis nas células RCS, em um modelo de rato ex-vivo e também em camundongos recém-nascidos e concluiram que os TKIs disponíveis não seriam úteis para tratar a acondroplasia, porque eles bloquearam outras enzimas e às vezes também causaram toxicidade celular.

Ao escrever o comentário sobre este estudo meu sentimento era de frustração e a razão é simples. A melhor abordagem para o tratamento da acondroplasia seria agir diretamente sobre o receptor afetado pela mutação. O receptor afetado é o problema então, em teoria, se você pudesse inibí-lo ou incapacitá-lo, os condrócitos da placa de crescimento poderiam retomar seu comportamento normal e poderíamos ter resgate do crescimento ósseo, minimizando ou evitando as características clínicas e complicações associadas a esta displasia óssea.

Só para dar um exemplo, vamos comparar uma terapia direta contra o FGFR3 com o atual potencial tratamento mais avançado para a acondroplasia, o análogo do CNP vosoritide. O vosoritide funciona ativando uma outra cascata de enzimas nos condrócitos que naturalmente inibe alguns dos efeitos do FGFR3. De acordo com os resultados disponíveis a partir do estudo de fase 2 que está em andamento, ele tem mostrado eficácia em restaurar a velocidade de crescimento do osso dos pacientes incluídos (4). No entanto, o CNP compensa apenas os efeitos de apenas uma das cascatas químicas desencadeadas pelo FGFR3 (Figura 4). Por outro lado, uma droga que vise diretamente o receptor mutante pode potencialmente inibir a função excessiva de todas as cascatas de sinalização ativadas pelo FGFR3.

FIGURA 4. Entroncamento das cascatas do FGFR3 e do CNP.


Transdução do sinal do FGFR3 e estratégias terapêuticas. O FGF e a heparina se ligam ao domínio extracelular do FGFR3 e induzem a ativação da cinase, levando à ativação de vias de sinalização a jusante, tais como as cascatas STAT e MAP quinase (MAPK). O CNP se liga ao receptor NPR-B e induz a geração do segundo mensageiro cGMP, que ativa a PKG, que conduz à atenuação da via da MEK através da enzima RAF. Modificado com a permissão de Laederich e Horton (5). Fonte: Fundación Alpe.
 
Validação e comparação de resultados

Na última década, vários estudos relacionados com a ação farmacológica de TKIs anti-FGFR já demonstraram que eles podem bloquear várias enzimas além dos FGFRs ao mesmo tempo (como explicado acima). Um pequeno número de estudos também mostrou resultados conflitantes de TKIs no crescimento dos ossos por causa dos efeitos "fora-do-alvo" (outras enzimas potencialmente afetadas pelo TKI) (6-9). Assim, o estudo do grupo do Dr. Krejci (2) parecia apenas confirmar o que se supõe deve acontecer no interior da placa de crescimento quando se utiliza um TKI anti-FGFR.

Portanto, fiquei (positivamente) surpreso e, aliviado também, quando li o estudo recentemente publicado pelo grupo da Dra. Laurence Legeai-Mallet (10). O seu grupo testou o TKI NVP-BGJ398 (BGJ398; Figura 5) (11), uma das moléculas testadas pelo Dr. Krejci, como uma potencial abordagem terapêutica para a acondroplasia.

Figura 5. Estrutura do BGJ398.


Da Wikimedia

Novos ares

Então, agora que temos um conhecimento básico do que é um TKI e os desafios acerca de usá-los como uma terapia para a acondroplasia, vamos rever este estudo muito interessante com o BGJ398 na acondroplasia e tentar colocar suas conclusões em perspectiva. Será que temos outra solução terapêutica para a acondroplasia no horizonte?
 
Resumidamente, no estudo de grupo Dr. Krejci, como já vimos, eles trabalharam com modelos in vitro e in vivo e verificaram que todos os TKIs bloquearam não só o FGFR3 nos modelos celulares, mas também outras enzimas, o que causou toxicidade. Eles testaram um dos TKIs, o AZD4547 (12), em ratinhos recém-nascidos, e descobriram que, em vez de promover o crescimento, a droga produziu alterações no crescimento e também toxicidade significativa dependendo da dose e mesmo a morte dos animais. Considerando todos os resultados em conjunto, a conclusão foi de que os TKIs disponíveis não poderiam ser utilizados para tratar a acondroplasia, devido à sua falta de especificidade e risco de toxicidade.


No entanto, o estudo trouxe mais conhecimento sobre as propriedades desses TKIs, em relação à sua capacidade de inibir muitas RTKs. Uma informação interessante foi a de que o BGJ398, embora capaz de inibir várias enzimas, o fez em doses muito mais altas do que as necessárias para particularmente inibir o FGFR3. Em outras palavras, o BGJ398 parecia ter mais afinidade com o FGFR3 do que com todas as outras enzimas testadas, incluindo os outros membros da família FGFR. Para respeitar os direitos autorais da publicação, não vou reproduzir a tabela que mostra esta informação, mas você pode consultar o artigo e ver a Tabela 1.

Mantendo as informações acima em mente, vamos visitar o estudo do grupo da Dra. Legeai-Mallet, o qual traz novos ares ao campo, e mostra como é importante verificar e confirmar os resultados obtidos em uma pesquisa anterior.

Resgatando o crescimento ósseo 

Em resumo, o grupo da Dra. Legeai-Mallet testou o BGJ398 em vários experimentos de células e tecidos e em um modelo animal de acondroplasia e descobriu que ele era capaz de resgatar o crescimento ósseo e basicamente todas as características clínicas da acondroplasia. Por exemplo, o uso deste TKI corrigiu não só o atraso de crescimento do ossos longos causados pelo FGFR3 mutante mas também o defeito na base do crânio, vértebras, calvária (as sinostoses) e nos discos intervertebrais.

Vejamos este estudo com mais detalhes.

Primeiro, os pesquisadores trabalharam em condrócitos humanos que expressam vários tipos de FGFR3 mutante e descobriram que o BGJ398 foi capaz de inibir a fosforilação do FGFR3 (lembra-se do que revimos acima?).

Em seguida, testaram se várias doses diferentes do BGJ398 seriam capazes de resgatar o crescimento ósseo em uma cultura de fémur embrionário e descobriram que, a uma concentração de 100 nM (nanomolar), este TKI foi capaz de resgatar o crescimento ósseo completamente. Eles encontraram resultados muito semelhantes com a mesma dose num modelo de calvária.

Pausa para um curto pit stop aqui para ver o que significa nano Molar. Molar é uma unidade usada para medir a concentração de uma substância numa dada solução (ou meio). Para fins farmacológicos, quanto menor a concentração da dose necessária para obter um efeito desejado, melhor é para uma terapia potencial em qualquer campo. Assim, é comum aceitar que um potencial candidato a droga deve "trabalhar" em concentrações dentro da faixa nanomolar.

Voltando ao estudo, os investigadores testaram o BGJ398 em um modelo de rato com acondroplasia, o mesmo usado para explorar o uso do vosoritide anos atrás (13). Eles testaram camundongos recém-nascidos com uma dose subcutânea diária de 2 mg/kg durante 15 dias e verificaram que esta dose foi bem tolerada, "sem alteração notável do comportamento" (10).

De acordo com o estudo, os ratinhos portadores da mutação semelhante a da acondroplasia tratados com BGJ398 tiveram um resgate significativo de seu crescimento ósseo em comparação com os animais de controle. No entanto, é importante notar que, em comparação com animais não-afetados, o crescimento não foi completamente resgatado, como podemos ver nas imagens e gráficos mostrados no estudo (Figura 6; guarde estas informações para mais tarde).

Figura 6. O NVP-BGJ398 melhora o crescimento do esqueleto apendicular em camundongos Fgfr3Y367C/+.

(A) Radiografia de membros anteriores de FGFR3+/+ e Fgfr3Y367C/+ tratados e não tratados. Barra de escala: 1 cm. (B) Radiografia dos membros posteriores tratados e não tratados FGFR3+/+ e Fgfr3Y367C/+. (C) comprimentos de fêmur, tíbia, úmero, ulna e rádio (FGFR3+/+, n=13-14; Fgfr3Y367C/+ não tratados, n=9-10; Fgfr3Y367C/+ tratados , n=12-13). *P<0,05, 1-way ANOVA. (D) 2D μCT de distal do fêmur metáfise área de corte transversal. Barra de escala: 400? m. (E) μCT 3D da área em corte transversal da metáfise distal do fêmur. Barra de escala: 400 µm. (F) área mineral óssea total na metáfise do fémur distal (FGFR3+/+, n=8; Fgfr3Y367C/+não tratados, n=8; Fgfr3Y367C/+ tratados, n=6). *P<0,05, 1-way ANOVA. Todos os dados são de animais tratados com o protocolo 1 (16 dias de idade). Os dados são expressos como média ± DP. De: Komla-EBRI D et al. J Clin Invest 2016; 126 (5): 1871-1884. Este artigo tem acesso livre. Figura reproduzida aqui apenas para fins educacionais.

Eles também testaram os efeitos do BGJ398 na coluna vertebral, crânio e discos intervertebrais, incluindo as sincondroses e o foramen magno, e verificaram que a droga também foi capaz de melhorar o crescimento em todas estas áreas. Isso é relevante porque precisamos conhecer o impacto de qualquer terapia sobre as características clínicas da acondroplasia.

Um aspecto importante de se utilizar um TKI anti-FGFR para bloquear o FGFR3, é a possibilidade de se estar fazendo o mesmo em outros FGFRs. O FGFR1 também é produzido na placa de crescimento, assim os investigadores verificaram se o BGJ398 também estava causando qualquer perturbação na sinalização do FGFR1 e constataram que não era o caso. Isto significa que, com a dose utilizada no estudo o BGJ398 inibiu significativamente somente o FGFR3.

Eles ainda verificaram como o BGJ398 estava trabalhando nos condrócitos da placa de crescimento. Eles queriam checar se as cascatas de enzimas desencadeadas pelo FGFR3 foram realmente afetadas por este TKI. Eles identificaram que as principais vias ativadas pelo FGFR3, a MAPK e a STAT1 (Figura 7), foram inibidas pelo BGJ398. Eles puderam também verificar que, usando este TKI, o nível de sinalização destas vias nas placas de crescimento dos ratinhos portadores da mutação da acondroplasia eram comparáveis ​​aos dos animais não afetados (controles).

Figura 7. Principais vias de sinalização do FGFR3.


Vias de sinalização ativadas pelo FGF/FGFR. O FGF induz a dimerização, a ativação da cinase e transfosforilação de resíduos de tirosina do FGFR, conduzindo à ativação de vias de sinalização a jusante. Várias vias são estimuladas pela sinalização FGF/FGFR, tais como Ras-MAP-cinase, PI-3 quinase /AKT e vias de PLC-y. Além disso, a sinalização do FGF também pode estimular a via de STAT1/p21. A sinalização FGF / FGFR também fosforila a proteína Shc e Src. FGF / FGFR desempenham papéis cruciais na regulação da proliferação, diferenciação e apoptose de condrócitos através de vias de sinalização a jusante. De: Su N et al. Bone Res 2014; 2: 14003. Artigo de livre acesso, figura reproduzida aqui apenas para fins educacionais.


A questão do momento ideal

O grupo da Dr. Legeai-Mallet, como vimos, testou os efeitos do BGJ398 por 15 dias em ratos recém-nascidos e os resultados foram muito relevantes. No entanto, eles não pararam ali e também testaram esse TKI em camundongos mutantes mais velhos. Embora a droga tenha apresentado efeitos positivos no crescimento ósseo, esses eram muito mais suaves do que o que foi visto nos animais mais jovens. O que também foi relevante foi, como vimos acima (e você pode conferir lendo o estudo), que mesmo dado no nascimento, o resgate do crescimento ósseo com BGJ398 não foi completo (Figura 6), e estamos falando de uma droga projetada para bloquear diretamente o receptor e não uma que age indiretamente, através de outra via, como faz o CNP.

Ossos começam a crescer cedo no útero e o efeito da mutação do FGFR3 que leva à acondroplasia já é detectável no terceiro trimestre da gravidez, porque as placas de crescimento dos ossos, em vez de seguir o programa de crescimento normal, estão “ligadas” em modo de "freio puxado".

A maior parte das consequências de longo prazo da acondroplasia já estão presentes no nascimento.

Por que isso é importante? Porque é provável que, se quisermos reduzir os efeitos da mutação do FGFR3 e ajudar as crianças a crescer melhor, o momento ideal para iniciar qualquer tratamento para a acondroplasia seria no nascimento e, se fôssemos capazes de fazer isso, mesmo antes, durante a gravidez. Já temos um exemplo de que o tratamento da acondroplasia no útero seria possível. Você lembra que o grupo japonês que trabalha com a meclizina (14) também testou essa droga em ratas grávidas e não relatou qualquer toxicidade? Essa estratégia não é impossível (mas provavelmente muito difícil de implementar).

A hora de começar a terapia é, portanto, fundamental para a acondroplasia.

Terapia indireta vs. direta

E por último, mas não menos importante, como dissemos, os pesquisadores usaram o mesmo modelo de rato usado para testar o vosoritide (13). Ao comparar os resultados de ambas as terapias eles concluíram que o BGJ398 foi superior ao analógo do CNP. Em outras palavras, a abordagem direta do FGFR3 deve ser melhor do que a indireta.

Afinal, podemos usar um TKI para tratar a acondroplasia?

Com base na evidência histórica, diríamos que seria arriscado usar um TKI para tratar a acondroplasia por causa da falta de especificidade. No entanto, o estudo do grupo da Dra. Legeai-Mallet brevemente resumido aqui mostra-nos que, com os TKIs mais recentes sendo desenvolvidos e testados cuidadosamente, é possível que venhamos a ter mais uma boa notícia nesta área no futuro próximo. Um detalhe importante sobre o BGJ398 é que a maior parte do trabalho pré-clínico com essa droga já foi feito, porque ela já está em estudos clínicos para varios tipos de câncer (ClinicalTrials.gov).

Outra informação muito importante para ter em mente sobre este estudo é que os pesquisadores obtiveram resultados notáveis ​​sobre o crescimento ósseo em seu modelo de acondroplasia utilizando doses de BGJ398 10 a 100 vezes mais baixas do que as utilizadas para os testes em modelos de câncer.

Na verdade, seria interessante entender como a Novartis, o desenvolvedor do BGJ398, está enxergando os resultados obtidos pelo grupo da Dra. Legeai-Mallet e se eles estão dispostos a realizar testes em outros modelos pré-clínicos, examinando, especificamente, os efeitos desta TKI em animais mais jovens, com o objetivo de levá-la ao desenvolvimento clínico para a acondroplasia. É provável que, com a riqueza de informação já existente, alguns poucos testes adicionais seriam necessários para validar ou não BGJ398 como uma abordagem potencial para entrar desenvolvimento clínico para acondroplasia. Algumas perguntas são necessárias, no entanto. Por exemplo, existem quaisquer sinais de toxicidade não mostrados nos testes já realizados?

Sim ou Não (go/no go)

Na era das terapias-alvo dirigidas, tanto as agências regulatórias quanto a indústria como um todo devem mudar mentalidades para permitir que novas terapias cheguem em doenças intocadas.

A decisão de prosseguir com o desenvolvimento clínico de uma droga potencial (go/no go) é difícil e baseada em muitos parâmetros distintos. Em uma interessante revisão sobre o tema publicada há dois anos atrás os autores listaram cinco itens (chamados cinco Rs, da palavra Right, certo em inglês) que precisariam de avaliação para se saber qual a chance de um determinado candidato a medicamento ser bem sucedido e chegar ao mercado (15). Será que nós (o desenvolvedor) temos o:

1. Alvo certo (estamos mirando no alvo certo naquela determinada doença?)
2. Paciente certo (temos os pacientes certos para testar a droga?)
3. Tecido certo (estamos testando a droga nas células e tecidos certos?)
4. Segurança certa (estamos certos sobre o perfil de segurança da droga?)
5. Potencial comercial certo (que irá permitir um bom retorno de investimentos?)


No entanto, a tomada de decisão não se restringe a esses cinco itens, mas também se relaciona com o quanto o desenvolvedor está disposto a assumir o "risco" de fracasso desse novo fármaco, o qual poderia custar centenas de milhões de dólares. Em outras palavras, pode ser difícil decidir se essa nova terapia potencial é um risco de negócio ou uma oportunidade de negócio. Muitas da grandes indústrias farmacêuticas são avessas a assumir riscos em áreas onde a experiência é rara ou o território não está bem mapeado. In dubio, prohibere.

Já revimos os desafios para o desenvolvimento de drogas em artigos anteriores no blog. Há potenciais terapias para a acondroplasia no horizonte aguardando novas iniciativas para serem mais desenvolvidas e, possivelmente, alcançar as crianças em necessidade. Quem vai assumir a tarefa?

Nota

No próximo artigo vamos falar um pouco mais sobre o desenvolvimento de medicamentos e o momento adequado para iniciar a terapia na acondroplasia. O artigo prometido sobre o uso da edição de genes para acondroplasia virá a seguir. 

Referências 

1. Ornitz DM and Marie PJ. Fibroblast growth factor signaling in skeletal development and disease. Genes Develop 2015;29:1463–86. Acesso livre.

2. Gudernova I et al. Multikinase activity of fibroblast growth factor receptor (FGFR) inhibitors SU5402, PD173074, AZD1480, AZD4547 and BGJ398 compromises the use of small chemicals targeting FGFR catalytic activity for therapy of short-stature syndromes. Hum Mol Genet 2016; 25(1):9-23.
 
3. Pavel Krejci at al. Interaction of fibroblast growth factor and C-natriuretic peptide signaling in regulation of chondrocyte proliferation and extracellular matrix homeostasis. J Cell Sci 2005;118 (21):5089-100.
Acesso livre.

4. Irving M et al. Vosoritide (BMN 111) in children with achondroplasia: Results from a
Phase 2, open label,sequential cohort, dose escalation study. Abstract presented at the American Society of Bone and Mineral Research 2015 Meeting. Presentation Number: LB-1154. October 12, 2015.


5. Laederich MB and Horton WA. FGFR3 targeting strategies for achondroplasia. Exp Rev Mol Med 2012;14:e11.

6. Brown AP et al. Cartilage dysplasia and tissue mineralization in the rat following
administration of a FGF receptor tyrosine kinase inhibitor. Toxicol Pathol 2005;33: 449–55.

Acesso livre.

7. Rastogi MV et al. Imatinib mesylate causes growth deceleration in pediatric patients with chronic myelogenous leukemia. Pediatr Blood Cancer 2012;59:840–45.

8. Tauer JT et al. Impact of long-term exposure to the tyrosine kinase inhibitor imatinib on the skeleton of growing rats. PLoS One 2015;24;10(6):e0131192. Acesso livre.

9. Hall AP et al. Femoral Head Growth Plate Dysplasia and Fracture in Juvenile Rabbits Induced by Off-target Antiangiogenic Treatment. Toxicol Pathol 2016.pii: 0192623316646483. [Epub ahead of print]. 

10. Komla-Ebri D et al. Tyrosine kinase inhibitor NVP-BGJ398 functionally improves FGFR3-related dwarfism in mouse model. J Clin Invest 2016;126(5):1871-84. Acesso livre. 

11. Guagnano V et al. Discovery of 3-(2,6-dichloro-3,5-dimethoxy-phenyl)-1-{6-[4-(4-ethyl-piperazin-1-yl)-phenylamino]-pyrimidin-4-yl}-1-methyl-urea (NVP-BGJ398), a potent and selective inhibitor of the fibroblast growth factor receptor family of receptor tyrosine kinase. J Med Chem 2011;54(20):7066-83.

12. Gavine PR et al. AZD4547: an orally bioavailable, potent, and selective inhibitor of the fibroblast growth factor receptor tyrosine kinase family. Cancer Res 2012;72(8):2045-56.
Acesso livre. 

13. Lorget F et al. Evaluation of the therapeutic potential of a CNP analog in a Fgfr3 mouse model recapitulating achondroplasia. Am J Hum Genet 2012;91(6):1108-14. Acesso livre.

14. Matsushita M et al. Meclozine promotes longitudinal skeletal growth in transgenic mice with achondroplasia carrying a gain-of-function mutation in the FGFR3 gene. Endocrinology 2015;156(2):548-54. Acesso livre. 

15. Su N et al. Role of FGF/FGFR signaling in skeletal development and homeostasis: learning from mouse models. Bone Res 2014; 2:14003.Acesso livre. 

16. Cook D et al. Lessons learned from the fate of AstraZeneca’s drug pipeline: a five-dimensional framework. Nature Rev Drug Disc 2014; 13: 419-31. Acesso livre.