Monday, March 26, 2012

A última fortaleza: a cartilagem da placa de crescimento


A Medicina tem combatido eficientemente doenças causadas por proteínas alteradas que o corpo produz durante uma doença ou devido a uma mutação genética. Na verdade, os médicos têm em mãos um número significativo de fármacos biológicos (anticorpos) ou de origem sintética, que podem ser utilizados para bloquear estas proteínas para o tratamento de várias doenças como o câncer e doenças reumáticas. Assim, atualmente, doenças como o câncer de mama podem ser derrotadas com mais facilidade e uma mulher afetada tem mais chance de sobreviver após o diagnóstico se o tratamento correto é aplicado mais cedo. Você pode ler mais sobre um anticorpo contra uma proteína produzida pelas células de câncer de mama aqui.
A acondroplasia é causada por uma única substituição de um das centenas de aminoácidos que formam a cadeia da proteína, ou enzima, chamada de receptor do fator de crescimento de fibroblastos tipo 3 (FGFR3). A troca de aminoácidos torna esta enzima mais ativa que o normal e, como o papel natural do FGFR3 é regular negativamente o ritmo de crescimento ósseo, o resultado é que as crianças que carregam a proteína alterada crescerão menos do que poderiam. As conseqüências médicas e pessoais são muito bem conhecidas.

Enzimas são proteínas capazes de causar ou acelerar as reações químicas no interior do corpo. Elas têm cargas elétricas distintas e caracteísticas que fazem delas bons alvos em termos da criação de compostos ou drogas que podem reagir com elas e bloquear as suas funções. O FGFR3 não é exceção. Na verdade, já existe uma lista expressiva de anticorpos e de moléculas sintéticas capazes de bloquear ou reduzir a atividade do FGFR3 (veja a tabela abaixo com uma lista parcial).
Lista de fármacos e anticorpos com ação contra o FGFR3.


Se já temos tantas ferramentas utilizáveis, o que está nos impedindo de facilmente tratar a acondroplasia? Porque não basta escolher um dos bons anticorpos disponíveis e dar à criança afetada? O FGFR3 seria bloqueado, o freio do carro não iria mais parar o carro e o crescimento seria resgatado. Parece muito bom, não é?

Esta não é uma estrada fácil

Eu sei, vou repetir um pouco o que escrevi em outros artigos mais antigos neste blog, mas não vamos perder nada revisitando este tópico. Pelo contrário, a idéia aqui não é apenas dar informações, mas compartilhar conhecimento. E com o conhecimento vem insight.

Existem várias razões biológicas e econômicas importantes para explicar porque é tão difícil encontrar bons tratamentos para a acondroplasia. Neste artigo sobre a placa de crescimento, estaremos olhando apenas os biológicos.

Claro que a placa de crescimento não é o único problema. Uma razão importante que torna difícil tratar a acondroplasia está relacionada à estrutura do FGFR3. O FGFR3 é uma de uma família de quatro enzimas receptoras e apresenta grande homologia (semelhança) com suas irmãs. Além disso, em relação a uma das partes reativas mais importantes da sua estrutura, que é chamada de bolsos de ATP (do inglês ATP pockets), a homologia é também significativa com as enzimas de outras famílias de receptores. Este padrão implica em que muitas das atuais drogas sintéticas capazes de bloquear o FGFR3 apresentam a mesma ação também nos outros FGFRs e em outras enzimas. Queremos bloquear apenas o FGFR3, pois poderia ser perigoso interferir em outras reações químicas do corpo. Portanto, é um enorme desafio desenvolver uma droga para bloquear somente o FGFR3.

Os anticorpos contra o FGFR3 são mais específicos. Vários foram criados e um já está sendo testado para alguns tipos de câncer em que o FGFR3 desempenha um papel importante para estimular a progressão da doença. Então, por que anticorpos não estão sendo usados na  acondroplasia? Esta é uma ótima pergunta e a explicação reside no interior do corpo. Existem várias camadas de defesa montadas pelo nosso corpo para nos proteger de invasores, mas, no caso dos ossos, qualquer droga ou composto terá de lidar não só com o sistema imunológico, mas também com uma fortaleza muito bem protegida, a cartilagem da placa de crescimento.

A cartilagem da placa de crescimento

Tendo dito dessa forma, vamos dar uma olhada na placa de crescimento. Vamos devagar para nos ajudar a refletir sobre o desafio. A melhor maneira de chegar a um lugar é aprender primeiro o máximo que se pode sobre o trajeto, de modo a estar preparado para os obstáculos do caminho. Esteja preparado, para ir a uma montanha com neve, pegue algumas correntes para as rodas, para uma praia tropical quente e remota é bom ter um carro apropriado para atravessar estradas não pavimentadas. E, claro, trazer as roupas certas. Você não vai querer sentir frio enquanto desce a montanha sobre esquis ou nadar usando um casaco de lã.

A placa de crescimento protege os poderosos condrócitos

A cartilagem da placa de crescimento é a fonte de crescimento do osso. É através das estruturas que os condrócitos criam em torno de si dentro da placa de crescimento que o novo osso vai ser construído. Este é um bom passo por onde começar, mas como o crescimento é alcançado?
Dê uma olhada nesses diagramas que mostram ilustrações que representam a placa de crescimento:



E agora, veja a figura na página dos Drs. Naski e Ornitzum par de pioneiros modernos no campo da cartilagem da placa de crescimento, que mostra como é a estrutura real da placa de crescimento.

Provavelmente, você agora já tem uma melhor visão de como a placa de crescimento é organizada.

Existem várias camadas de tipos distintos de condrócitos:

  • A zona de repouso
  • A zona proliferativa
  • A zona pré-hipertrófica ou maturação
  • A zona hipertrófica
A zona de repouso é composta por condrócitos inativos. Eles serão ligados por alguns estímulos químicos e começarão a proliferar (multiplicar), organizando-se em pilhas de células planas em sequência, acatando um sentido longitudinal. Em seguida, obedecendo a outros tipos de instruções químicas, eles vão começar a aumentar e arrendondar, começando a produzir grandes quantidades de matriz cartilaginosa (o material que os rodeia). Em algum momento, uma das proteínas que produzem, denominada fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), vai provocar a formação de vasos sanguíneos na área circundante. Esses vasos invadem a matriz cartilaginosa e abrem caminho para novas células, os osteoblastos, precursores do osso. Ao mesmo tempo, os condrócitos hipertróficos entram em morte celular programada, um fenômeno chamado apoptose. Os espaços que eles deixam serão ocupados pelos osteoblastos que chegam e que começam a produzir a matriz óssea (na página dos Drs. Naski e Ornitz - link acima - você encontra uma descrição mais detalhada deste processo).

Há um conceito que nós precisamos ter em mente, que é o fato de que as zonas de repouso e proliferativa da placa de crescimento não têm suprimento direto de sangue. É provávelmente uma das muitas maneiras encontradas pela Evolução para proteger esse tecido tão sensível.

Para atingir os condrócitos, qualquer mensageiro do corpo, hormônios, nutrientes ou outra molécula terá de navegar através da matriz cartilaginosa, o tecido produzido por estas células. Esta matriz é composta por várias proteínas muito grandes chamadas de colágenos e de complexos 
sulfatados de moléculas de açúcar, conhecidos como glicosaminoglicanos, além de outras moléculas complexas, todos organizados em uma rede intrincada.

Este meio é responsável por sustentar o formato da cartilagem, mas também é responsável pelo bloqueio de moléculas indesejadas ou invasores. Aqui, novamente, este parece ser um outro toque da Evolução para proteger os condrócitos em sua missão crucial.

Então, como importante mensageiros do corpo tais como o hormônio do crescimento (GH) ou nutrientes fazem seu caminho para os condrócitos?

Esta é a primeira regra para a qual devemos prestar atenção. O GH e vários outros hormônios do corpo são pequenas moléculas, assim como muitos nutrientes comuns também são. Um elegante estudo realizado por Farnum et al. mostrou que as moléculas de peso inferior a 50 kDa tenderão a difundir mais facilmente através da placa de crescimento.

Esse padrão de difusão explica porque anticorpos específicos contra o FGFR3, disponíveis para teste, provavelmente não conseguem chegar aos condrócitos em doses terapêuticas: eles são muito grandes, pesando mais de 150 kDa. Este não é um problema para os peptídeos (tais como o CNP), oligonucleotídeos e os pequenos inibidores de tirosina quinase (TKI).

Outra reflexão sobre a matriz da cartilagem é que é provável que qualquer composto terapêutico vai levar tempo para atingir a meta, devido às características de difusão, e dessa forma aqueles que pesquisam medicamentos devem pensar em como lidar melhor com dados provenientes de estudos de farmacocinética. Por exemplo, a meia-vida (uma maneira de medir o tempo que uma droga irá circular no interior do corpo) pode não refletir bem a distribuição da droga.

O que vem a seguir?

Sabemos que vários fármacos, como os listados acima, pode chegar à placa de crescimento. Você viu o artigo descrevendo os efeitos da PD106067 na cartilagem? Os TKIs atravessam a placa de crescimento e alcançam os condrócitos, por isso, se pudermos criar um desses compostos com ação exclusiva sobre o FGFR3, poderia ser suficiente para resgatar o crescimento ósseo na acondroplasia.

No entanto, para outras estratégias terapêuticas razoáveis, tais como oligonucleotídeos ou aptâmeros, o problema está relacionado não ao tamanho da molécula, mas a sua natureza. Uma vez que possuem características químicas particulares, não serão capazes de atingir a placa de crescimento por si só, porque a defesa imunológica os pararia rapidamente. Eles terão de ser levados para a placa de crescimento por sistemas de transporte. Falaremos mais sobre isso no próximo artigo.

Em resumo, fizemos uma breve revisão das propriedades da placa de crescimento e os desafios que ela representa para o desenvolvimento de drogas. Algumas das abordagens terapêuticas, tais como os TKIs, já provaram alcançar os condrócitos e a questão aqui é sobre encontrar o TKI perfeito, que afete apenas o FGFR3, uma tarefa muito difícil com a tecnologia atual. Outras abordagens viáveis precisarão de ajuda para entrar na placa de crescimento e alcançar os condrócitos.

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