Thursday, January 24, 2019

Tratando a acondroplasia: sete anos online e contando

Um pouco de história

O blog Tratando a Acondroplasia está comemorando sete anos online. O blog recebeu mais de 350 mil visitas até agora e espero que esteja sendo útil para os visitantes. Ele foi criado para compartilhar conhecimento e capacitar os interessados ​​em conduzir as mudanças que precisamos para a acondroplasia.

Não posso deixar de me sentir espantado com todo o progresso que vi desde que publiquei o primeiro artigo aqui. O número anual de publicações científicas sobre acondroplasia não aumentou realmente nos últimos dez ou quinze anos (apenas um pouco, como vemos no Pubmed; Figura 1), mas o escopo das publicações mudou claramente ao longo dos anos.

Figura 1. Número de publicações/ano sobre a acondroplasia.




Informações fornecidas pelo Pubmed, baseadas na busca pelo termo "acondroplasia".

Por exemplo, um número significativo de estudos nos ajudou a entender melhor os mecanismos moleculares subjacentes à mutação do FGFR3 que leva à acondroplasia. Novos gráficos de crescimento (Argentina, Austrália, Europa, EUA) foram disponibilizados para ajudar pais e profissionais de saúde a acompanhar o desenvolvimento de crianças afetadas. Diversos outros trabalhos foram publicados sobre marcos de desenvolvimento infantil, e também enfocando o manejo de complicações médicas, incluindo aspectos cirúrgicos, desde lidar com estenose espinhal e arqueamento das pernas até as técnicas de alongamento de membros. Também vemos que a qualidade de vida e o diagnóstico precoce têm recebido mais atenção ultimamente. Embora esteja claro que a pesquisa para terapias específicas também cresceu, o número delas ainda é relativamente baixo. Terapias para a acondroplasia podem certamente ser úteis para outras displasias, mas o risco de desenvolvê-las é alto, então ...

A maçã fácil de colher

O risco é alto. Isso me faz lembrar de uma passagem da minha própria curva de desenvolvimento. Lá atrás, em 2009, durante uma visita a um dos maiores especialistas mundiais em sinalização química dos FGFRs e o inventor de um dos primeiros inibidores de tirosina quinase, no coração de uma das mais renomadas universidades americanas,eu o ouvi dizer que a pesquisa de terapias para
desordens genéticas como a acondroplasia era escassa porque era muito arriscada. Ele disse que as grandes empresas não focavam em doenças raras, onde o terreno ainda estava por ser mapeado. Em vez disso, prefeririam dirigir em estradas pavimentadas, assumindo menos riscos em seus empreendimentos (colhendo as frutas ao alcance de seus braços). Lidar com condições raras era uma espécie de empreendimento reservado para pequenas empresas de biotecnologia (ainda é, de fato!). Você pode imaginar como eu estava me sentindo quando saí daquela reunião. Uma certa combinação de sentimento de privilégio de ter falado e aprendido com aquele mestre e ao mesmo tempo atingido por esse conceito desanimador que ele me descreveu. Sim, eu já estava na indústria farmacêutica, mas ainda tinha um coração acadêmico. O que ele disse foi uma espécie de revelação para mim.

Logo após o encontro, viajei a Boston para o Congresso Internacional de Displasias Esqueléticas, uma oportunidade maravilhosa de conhecer especialistas de todo o mundo. A acondroplasia que eu conhecia até então era em grande parte a descrita na literatura e em minha pouca experiência anterior em atender alguns pacientes afetados ao longo dos anos. Conversar com cientistas e médicos entusiasmados e assistir a suas apresentações me deu novas perspectivas. Um desses médicos, ao saber que eu estava na indústria farmacêutica, reagiu imediatamente com um certo desprezo: "ah, você trabalha para a indústria farmacêutica", seguido por um daqueles olhares que facilmente encontramos em nossas bibliotecas de emojis. Perguntei-lhe por que ele estava, digamos, chateado com isso, e ele respondeu dizendo que "nós" (farma) não éramos confiáveis. Outro golpe em apenas dois dias. Sua experiência anterior com a indústria fez com que ele reagisse daquela maneira, um tipo de problema de comunicação entre eles. Eu lhe disse que não era simplesmente um médico, e não era simplesmente um profissional de P&D farmacêutico. Eu também era pai. Este é o tipo de combinação raro de encontrar.

Demorei um ano mais para ganhar o respeito dele. Nós nos encontramos várias vezes após o primeiro congresso, mas no final, foi a sua mão que apontou na direção certa para o primeiro estudo clínico para a acondroplasia, quando a oportunidade surgiu.

A maçã não tão fácil de colher

Existem mais de sete mil desordens raras descritas, e menos de 10% têm alguma terapia aprovada. Apesar dos diversos incentivos promovidos pelas agências reguladoras com o objetivo de ampliar as pesquisas voltadas às terapias para doenças genéticas e raras, ainda há pouco esforço para encontrar soluções para elas.

No entanto, o interesse pela acondroplasia tem crescido nos últimos cinco anos, com várias novas abordagens sendo exploradas, e algumas sendo levadas seriamente ao desenvolvimento clínico. Acredito que isso tenha ocorrido como consequência dos resultados preliminares positivos apresentados pelas pesquisas com o peptídeo natriurético do tipo C (CNP) e seu primeiro análogo em desenvolvimento, vosoritide. Veja, alguém precisa mapear o novo território e mostrar que há potencial lá. Para a acondroplasia, aplausos para os pioneiros
japoneses desenvolvedores do conceito CNP e para a empresa de biotecnologia que o trouxe para a clínica na forma do vosoritide. Outros estão seguindo, e agora temos um segundo análogo de CNP (esta estrada já está pavimentada) e algumas outras estratégias já em desenvolvimento clínico (veja abaixo). Mais poderia ser feito, mas, para uma desordem rara, estas são ótimas notícias.

Um ano cheio pela frente

O ano novo mal começou, mas já temos novidades no horizonte. A Biomarin anunciou que o estudo da fase 2 em bebês e crianças pequenas está em andamento e que não houve eventos adversos na coorte mais velha até o momento (Figura 2).

Figura 2. Biomarin, slide 15 da apresentação em 7 de janeiro de 2019.


A apresentação completa pode ser acessada aqui.

Enquanto isso, a Ascendis anunciou que o início do estudo da fase 2 com o TransCon CNP está planejado para o terceiro trimestre (Figura 3) e a QED, desenvolvedora do infigratinib, está mostrando em sua página online "Pipeline" que está planejando o início de seu estudo de história natural durante 2019 e que os próximos passos incluiriam um ensaio de fase 1/2 (Figura 4).

Figura 3. Ascendis Pharma, slide #56 da apresentação em 7 de janeiro (2019).



Este slide resume os resultados do estudo da fase 1 com o TransCon CNP e lista a próxima etapa de desenvolvimento. A apresentação completa pode ser acessada aqui.

Figura 4. Pipeline de QED Therapeutics.


Adaptado do site da QED Therapeutics (acesso gratuito ao público). Imagem original pode ser encontrada aqui.

A informação interessante aqui é que a forma como esta expressão "estudo de fase 1/2 a seguir" (phase 1/2 trial to follow) foi usada poderia implicar que o plano seria realizar um estudo integrado de fase 1/2, em um
potencial projeto adaptativo, onde após estabelecer PK e PD em um primeiro grupo de voluntários (possivelmente crianças afetadas?), coortes subsequentes de participantes poderiam começar a receber doses em um estudo típico de fase 2. Isso só seria possível porque já existe todo o trabalho pré-clínico e vários ensaios clínicos realizados em câncer com o infigratinib. Esse formato adaptativo do projeto pode ajudar a acelerar o desenvolvimento do infigratinib para aprovação, se confirmado ser seguro e eficiente na acondroplasia.

A mudança

Há apenas dez anos não havia nenhum sinal de qualquer tratamento potencial para a acondroplasia e, por muito tempo, pessoas com acondroplasia e, por extensão, com muitas outras formas de displasias esqueléticas, não tinham esperaça de que seus distúrbios ósseos seriam
um dia considerados para terapia. Gerações cresceram sob essa perspectiva e lidaram com muitos desafios sociais e médicos diários para dizer o mínimo, então nada mais natural do que construir um forte senso de identidade. Esse senso de identidade ajudou a criar uma comunidade sólida e valente que tem sido fundamental para muitas conquistas no espaço social, político e da saúde.

A ciência evolui e impulsiona o progresso humano, embora não seja linear ou necessariamente constante. Há saltos e quedas no caminho. No entanto, muitas doenças crônicas e debilitantes agora têm tratamentos que as controlam ou retardam seu ritmo ou até mesmo as revertem. Atualmente, mais e mais formas de câncer podem ser curadas com as terapias certas, e drogas novas e mais específicas estão sendo desenvolvidas para combater essa doença devastadora. Embora um pouco atrasado, o conhecimento sobre genética está crescendo exponencialmente, e terapias genéticas já estão sendo exploradas para tratar doenças de todos os tipos, de câncer e diabetes a doenças infecciosas e condições genéticas. Num futuro próximo, poderemos conquistar ainda mais doenças que eram imbatíveis no passado. Isto é verdade para o câncer, isso será verdade para as displasias esqueléticas.

Então, a mudança está chegando e hora de enxergar além do status quo. Vamos abraçar o futuro que vemos a nossa frente, e vamos ajudar as novas gerações a se beneficiar de todo o conhecimento e progresso que estão no horizonte. Vamos trabalhar para dar aos nossos filhos um futuro melhor, com mais saúde, mais qualidade de vida e mais possibilidades. Vamos dar-lhes esperança. É para isto que este blog existe. Este tem sido meu compromisso desde o começo. Ainda é o meu para 2019 e além.

Treating Achondroplasia: seven years online and counting

A bit of history

The blog Treating Achondroplasia is celebrating seven years online. The blog has received over 350K visits so far and I hope it is being useful for the visitors. It was created to share knowledge and empower those interested in driving the changes we need for achondroplasia.

I can't help feeling amazed about all the developments I've seen since I published the first article here. The annual number of scientific publications about achondroplasia did not really increase in the last ten or fifteen years (just a bit, as we see in Pubmed; Figure 1), but the scope of the publications has clearly changed over the years.

Figure 1. Number of publications/year about achondroplasia.


Information provided by Pubmed, based on the search for the term "achondroplasia".


For instance, a significant number of studies helped to better understand the molecular mechanisms underlying the FGFR3 mutation leading to achondroplasia. New growth charts (Argentina, Australia, Europe, US) became available to help parents and healthcare providers to track the development of affected kids. Several other works were published about development milestones, and also focusing in management of medical complications, including surgical aspects, from dealing with spinal stenosis and leg bowing to the limb lengthening techniques. We also see that quality-of-life and early diagnosis have also been given more attention lately. Although it is clear that the research for specific therapies has also grown, the number of them is still relatively low. Therapies for achondroplasia might certainly be useful for other dysplasias, but the risk to develop them is high, so...

The low hanging fruit 

The risk is high. This makes me recall a passage of my own development curve. Back to 2009, during a visit to one of the world greatest experts in FGFR signaling and the inventor of one of the first tyrosine kinase inhibitors, in the heart of one of the most renowned US universities, I heard that the research for therapies for genetic disorders like achondroplasia was scarce because it was too risky. He said that large companies would not focus on rare disorders where the landscape was yet to be mapped. Instead they would prefer to drive on paved roads, taking less risk in their endeavors (picking the fruit at the reach of their arms). Tackling rare conditions was a sort of venture reserved for small biotechs (it still is, indeed!). You can imagine how I was feeling when I left that meeting. Some mix between a sense of privilege to have just talked to and learned from that master and at the same time hit by that disheartening concept he told me. Yes, I was already in the pharma industry, but still had an academic heart. What he said was a kind of revelation for me.

Just after that meeting I went to Boston for the International Skeletal Dysplasias Congress, a wonderful opportunity to meet experts from all over the world. The achondroplasia I knew till then was mostly that described in the literature and from my little previous experience in assisting a few affected patients over the years. Talking with those passionate scientists and physicians and watching their presentations gave me new perspectives. One of those physicians, when hearing that I was in the pharma industry, immediately reacted with some sort of contempt: "oh, you work for pharma", followed by one of those looks we easily find in our emoji libraries. I asked him why he was, let's say, upset about that, and he replied saying that "we" (pharma) were not trustworthy. Another punch in just a couple of days. His previous experience with the industry made him reacting that way, a kind of communication gap between them. I told him I was not simply a physician, and I was not simply a pharma R&D professional. I was also a father. This was the kind of combination not easy to find.

It took me one year more to gain his respect. We have met several times after that first congress, but in the end, it was his hand which pointed out to the right direction towards the first clinical trial for achondroplasia when the opportunity came.

The fruit not easy to pick

There are more than seven thousand rare disorders described, and less than 10% have any therapy approved. Despite several incentives promoted by regulatory agencies aiming to increase the research towards therapies for genetic and rare disorders, there is still little effort applied to find solutions for them.

Nevertheless, the interest about achondroplasia has grown in the last five years, with several new approaches being explored, and some being seriously taken into clinical development. I believe this happened as a consequence of the preliminary positive results showed by studies with the C-type natriuretic peptide (CNP) and its first analogue in development, vosoritide. You see, someone needs to chart the new territory and to show that there is potential there. For achondroplasia, cheers for the pioneer Japanese developers of the CNP concept and to the biotech which brought it into the clinic in the form of vosoritide. Others are following, and we now have a second CNP analogue (this road is already paved) and a couple of other strategies already in the clinic (see below). More could be done but, for a rare disorder, these are great news.

A busy year ahead

The new year has just started but we already have news in the horizon. Biomarin announced that the phase 2 study in infants and toddlers is ongoing, and that there were no adverse events in the older cohort so far (Figure 2). 


Figure 2. Biomarin, slide 15 from the presentation on January 7 (2019).

Full presentation can be accessed here.
Meanwhile, Ascendis announced that the start of the phase 2 study with their TransCon CNP is planned for the third quarter (Figure 3) and QED, the developer of infigratinib, is showing in their "Pipeline" webpage that they are planning the start of their natural history study during 2019 and that the next steps would include a phase 1/2 trial (Figure 4).

Figure 3. Ascendis Pharma, slide 56 from the presentation on January 7 (2019).


This slide summarizes results from the phase 1 study with TransCon CNP and lists the next development step. The full presentation can be accessed here.
 
Figure 4. QED Therapeutics pipeline.
Adapted from QED Therapeutics website (free access to the public). Original image can be found here.
The interesting piece here is that the way this expression "phase 1/2 trial to follow" was used could imply that the plan would be to perform an integrated phase 1/2 study, in a potential adaptative design, where after establishing PK and PD in a first group of volunteers (possibly affected children?), subsequent cohorts of participants could start being dosed in a typical phase 2 study fashion. This would only be possible because infigratinib has already all the pre-clinical work done and several clinical trials performed for cancer. Such a design may help expediting the development of infigratinib towards approval, if proven safe and efficient in achondroplasia. 

The change 

Just ten years ago there was no sign for any potential treatment for achondroplasia and, for long time, people with achondroplasia, and by extension, with many other forms of skeletal dysplasias, had no sight that their bone disorders one day would be considered for therapy. Generations have grown under this perspective and dealing with many daily social and medical challenges to say the least, so nothing more natural than the people to build a strong sense of identity. This sense of identity helped creating a solid and fierce community that has been key for many conquers in the social, political and healthcare space.

Science evolves and drives human progress, although it is not linear or necessarily constant. There are jumps and falls in between. However, many chronic and debilitating diseases now have treatments that control or slow down their pace or even revert them. In our days, more and more forms of cancer can be cured with the right therapies, and new and more specific drugs are being developed to beat this once devastating disease.
 
Although a little behind, the knowledge on genetics is growing exponentially, and genetic therapies are already being designed to treat diseases of all sorts, from cancer and diabetes to infectious diseases and genetic disorders. In the near future, we will be able to conquer even more diseases that were unbeatable in the past. This is true for cancer, this will be true for skeletal dysplasias.

So, the change is coming and it's time to see beyond the status quo. Let's embrace the future we see ahead of us, and let's help the new generations to benefit from all the knowledge and progress that are on the horizon. Let's work to give our kids a better future, with more health, more quality of life and more possibilities. Let's give them hope. This is what this blog is about. This has been my pledge from the beginning. It is still mine for 2019 and beyond.